30.12.09

a fábula do pobre senhor kennard

uma vez, não muito tempo atrás, em um lugar que poderia ser o seu país, havia uma máfia estranha. era estranha porque não era uma máfia, na verdade. nas sutilezas de senhora goldmeier não estavam inclusas apostas, extorsões, ameaças, assassinatos nem nada similar a uma máfia, porém seu poder e influência estavam acima dos políticos do lugar. e a senhora goldmeier era uma pessoa de princípios, para o infortúnio do senhor kennard.

"pobre senhor kennard!" eles diziam com pena, todos sabiam o poder que a família goldmeier tinha. família goldmeier, vale-se dizer, era como a senhora goldmeier chamava aqueles que eram próximos a ela. posições que eram realmente almejadas por todos que viviam naquele país. a senhora goldmeier teve uma infância difícil, seu pai era um mero mineiro e sua mãe lavava roupas para ajudar com dinheiro para educação da pequenina filha do casal. os dois morreram bem cedo, deixando a então menina goldmeier no começo de seus 13 anos desamparada e sozinha. o que ninguém esperava, entretanto, era que ela tivesse facilidade tamanha ao lidar com pessoas e seus desejos. quase todas as vontades que ela ouvia, ela conseguia transformar em realidade. não era mágica, não era dinheiro, ela convencia pessoas a fazerem favores para ela, sem a garantia de nada em troca, só a promessa de que quando tivesse algum desejo, ela daria seu máximo para realizá-lo. as pessoas não imaginavam o quão astuta a senhora goldmeier poderia ser. então, como uma facilitadora de comunicação entre pessoas, a senhora goldmeier conquistou seu império.

como característica comum a todo imperador, a senhora goldmeier não era sempre bondosa. ela tinha regras simples e muito bem embasadas em seu moral, mas ela punia quem não seguia as simples regras. ela não matava, ela não extorquia, vale dizer, novamente, que a senhora goldmeier não era violenta nem tampouco violava as leis de direito que regulavam o país. na verdade, ela realmente não fazia coisa alguma. mesmo assim, quem caia na desgraça da família goldmeier, estava fadado ao infortúnio e ao fracasso. muitos tentaram derrubar seu império ao longo dos anos, assim como o pobre senhor kennard, mas todos que estavam nas graças da senhora goldmeier ficavam incomodados com a situação, "como alguém pode tentar esse tipo de coisa com a maior benfeitora do país?" eles diziam. então, talvez o leitor já tenha entendido como a senhora goldmeier poderia construir ou destruir vidas. ela, na verdade, não tomava qualquer ação, mas todos os outros boicotavam quem fosse contra o que ela propusesse.

o senhor kennard era um mercante de tecidos finos, daqueles que não são encontrados facilmente e de beleza tamanha. no começo de sua carreira como vendedor, ele ia de porta em porta oferecendo seus produtos. por vezes vendia bastante, por vezes não vendia uma única peça, o que tornava o trabalho não tão sólido para conseguir seu sonho de abrir uma loja. uma tarde, enquanto estava vendendo tecidos de porta em porta, ele bateu à porta do casarão goldmeier. a senhora goldmeier tinha o costume de atender suas visitas pessoalmente e abriu a porta para o vendedor. como bom vendedor, o senhor kennard vendeu seu produto de tal forma que inspirou a senhora goldmeier a oferecer-lhe ajuda. "senhor kennard, não seria de seu interesse ter uma loja física para que assim o senhor possa vender mais e se cansar menos?" ela disse, o senhor kennard assentiu dizendo "na verdade, é meu maior sonho, senhora goldmeier.". e em menos de dois meses desde aquela conversa a loja kennard de tecidos finos e raros já estava funcionando.

em seus passeios pela cidade, a senhora goldmeier sempre via como estavam indo os negócios e os sonhos de seus protegidos. "e como estão as vendas de sorvete, senhora berjkley?", "muito bem, senhora goldmeier, o tempo tem ajudado fazendo bastante calor!", "como vão as vendas de tecidos, senhor kennard?", "muito bem, senhora goldmeier, as pessoas estão cada vez mais adquirindo gosto por coisas realmente belas.", parava em cada estabelecimento de seus protegidos e perguntava a mesma coisa semanalamente. era bom ser protegido da senhora goldmeier, mas todo protegido tinha a obrigação praticamente moral de ajudá-la quando ela pedia um favor.

foi justamente essa obrigação moral que faltou ao senhor kennard uma vez que a ele foi pedido um favor. ele negou a ajuda dizendo que estava em falta de tecidos. mal sabia o pobre senhor kennard que a imperatriz goldmeier tinha olhos e ouvidos em todos os lugares, em todas as horas. ela soube, por um membro da família que ela confiava o suficiente, que o senhor kennard tinha os tecidos que ela havia pedido, mas que ele não quisera ajudar porque planejava abrir outra loja em uma cidade nas redondezas e precisava de estoque para começar o negócio. "deixe estar, deixe estar..." disse a senhora goldmeier ao ouvir as notícias.

muitos anos se passaram até que a imperatriz goldmeier precisasse novamente dos tecidos do senhor kennard para ajudar outra pessoa a realizar um sonho. durante esses anos o senhor kennard prosperou e a senhora goldmeier conquistou mais poder ainda. sabendo que a ajuda já havia sido negada uma vez, ela foi pessoalmente à loja do senhor kennard para pedi-lo por seu favor. vale dizer que ele não desenvolveu qualquer senso de moral durante esses anos e negou novamente. desta vez foi pura e somente ganância, já ele era um mercante de sucesso, tinha muitas lojas pelo país e já havia consolidado grande fama por seus tecidos.

"seja cuidadoso, senhor kennard. já é a segunda vez que o senhor me nega um favor. não haverá uma terceira." a senhora goldmeier disse calmamente ao ouvir a negativa para seu pedido. "está me ameçando, senhora?" ele perguntou e, ultrajado, disse "eu sou o maior mercante de tecidos finos que existe neste país, e tudo que eu conquistei foi resultado do meu trabalho duro!", a senhora goldmeier, sem perder a pose, disse "não ameaço pessoas e não duvido que tenha trabalhado duro, senhor, mas não se esqueça que teve ajuda fundamental durante sua carreira.", então, ela acenou para um membro da família que a acompanhava e estava vendo tecidos e deixou a loja. enquanto se dirigia para outra loja para fazer a inspeção rotineira de como estavam os negócios, o senhor kennard saiu esbravejando pela rua, "a senhora goldmeier é uma impostora, ela prometeu que iria acabar com meu negócio, iria destruir minha carreira, minha vida e a de minha família! esta senhora é uma impostora!", ao ouvirem os gritos todos que passavam pararam para ver o que estava acontecendo e a senhora goldmeier continuou seu caminho, impassível, em direção a seus afazeres.

depois do colapso nervoso do senhor kennard suas vendas caíram drásticamente e em menos de um ano ele fechou as portas da última loja que conseguiu sobreviver por mais tempo. desolado, andava pela rua cabisbaixo, com olheiras fundas e olhar ausente mirando sempre para baixo. todos que o viam exclamavam "pobre senhor kennard!", mas a pena logo passava quando se lembravam de como ele era mesquinho e ingrato. quando soube do princípio de comoção que estava se instaurando na cidade, a senhora goldmeier o chamou para conversar em sua mansão.

"bem-vindo, senhor kennard, posso lhe oferecer alguma coisa?" ela perguntou logo que ele se acomodou em uma poltrona. ele, que nunca deixava seu orgulho de lado disse, "sim, senhora goldmeier, obrigado. a senhora poderia me dar minha vida de volta, a vida que a senhora tirou de mim.", entre risinhos ela replicou "oras, senhor kennard, eu não lhe tirei coisa alguma. foi o senhor quem fez tudo.", como ao ouvir a resposta dada ele adotou uma postura mais defensiva e agressiva, antes que pudesse balbuciar qualquer coisa a senhora goldmeier disse, "senhor kennard, a sociedade desse país é baseada unicamente na bondade das pessoas. elas se ajudam mutuamente a conseguirem o que querem, eu só ajo como uma facilitadora. quase todos percebem isso. quando um ataca quem facilita as coisas para todos, no caso eu, todos viram as costas e param de ajudar quem atacou. veja bem, eu tolero um grande erro. não gosto de pessoas que não conseguem aprender com seus próprios erros, o senhor cometeu dois. e logo depois de cometer seu segundo erro, o senhor cometeu um erro fatal, que foi duvidar da minha lealdade e bondade para com meus protegidos, esse tipo de coisa as pessoas toleram menos ainda. e foi justamente esse erro que fez com que o senhor fechasse todas as suas portas neste país. eu poderia deixar o senhor vagando pela cidade, vivendo de esmolas que as boas pessoas lhe dão por pena, mas isso não é bom para a sociedade que existe aqui. então, eu lhe dou esse dinheiro, que é o suficiente para uma passagem para outro país, longe daqui, e para que o senhor recomece sua vida exatamente do jeito que ela era antes desse povo lhe ajudar. o senhor não é bem vindo nessa sociedade. espero que seja inteligente o suficiente parar partir e nunca mais voltar. espero realmente que aprenda a lição nessa terceira vez."

ao terminar a conversa, o senhor kennard partiu e nunca mais foi visto aos arredores daquele país, a senhora goldmeier continuou facilitando as coisas para todos e vivendo de presentes que ela recebia das pessoas que eram gratas pela sua ajuda. vários senhores kennard passaram pela história do país enquanto a senhora goldmeier estava presente, mas há de se dizer que ela não foi tão bondosa com todos.

24.12.09

conexões natalinas

"é dia vinte e quatro e eu nem montei minha árvore! minha mãe ficaria tão desapontada se visse a falta de tradição e espírito natalino..."
ela olhou a sua volta, viu luzes piscantes nas sacadas dos prédios ao lado, papai noel, rena, estrela... sempre a mesma coisa.

no meio tempo um senhor lá pelos cinquenta anos estava se preparando para sair.
ele afivelou seu cinto, checou os afazeres, olhou em volta para ver se não esquecia de nada, tudo estava em ordem. pegou sua bolsa e saiu porta afora, não nevava, não estava calor, era um tempo úmido, sem sol e sem graça. ele olhou para o céu como quem desafiasse as nuvens cinza claro, não queria que chovesse mas gostava do sol tampouco. qualquer das combinações de chuva ou sol estragaria seu humor.

pegou seu carro e dirigiu por aí, sem destino qualquer. sentia-se desconfortável em casa, sentia-se desconfortável em trânsito. a situação toda o deixava descomunalmente incomodado. parou o carro num cinema e desceu, ficou olhando o painel para ver se tinha algum filme decente o suficiente para o entreter por algumas horas. quando chegou à bilheteria, a mocinha o informou: "desculpe, senhor, mas nós estamos fechando para o natal. não haverá mais sessões hoje.". ele fitou em volta com o olhar distante numa mistura de melancolia com solidão.

enquanto isso ela preparava seu cachorro para dar uma volta, pegou saquinhos para os cocôs, a pazinha para pegá-los, colocou na bolsa um guarda-chuva e uma capa de chuva para o cachorro. "nunca se sabe sobre esse tempo..." pensava ao guardar as coisas em sua bolsa. quando o cachorro notou que iria sair do cubículo do apartamento em que morava ficou todo feliz e rebolante, como só cachorros que moram em apartamentos sabem ser quando veem a coleira em sua direção.

saíram e começaram a dar a volta típica com o cachorro em volta do quarteirão. quando passavam em frente ao cinema, o cachorro conseguiu se soltar, e saiu correndo em direção a um homem não tão jovem que parecia estar com o olhar perdido no meio dos prédios e galerias. pulou nele, abanando o rabo como se fossem amigos de longa data. ela veio correndo logo atrás se desculpando. ele, que foi tirado de sua introspecção involuntariamente, não parecia aborrecido e afagava a cabeça do cachorro enquanto ela vinha a toda velocidade em sua direção.

"belo cachorro esse!" ele disse querendo dizer que não havia motivo qualquer para que ela pedisse desculpas. ela deu um sorriso educado e casual, abaixou-se e prendeu o cachorro novamente. enquanto ele brincava com o cachorro ela disse "tempo estranho esse, não? não chove, não faz sol..." ele concordou "é mesmo, esse tempo é uma loucura... sabia que meu filho tem um cachorro da mesma raça?", depois da típica conversa de um minuto e meio sobre o tempo e coisas banais ela continuou passeando com o cachorro e ele entrou em seu carro.

ela voltou para casa, tomou banho, ligou a tv e pôs a comida congelada no microondas para a ceia. "minha mãe me odiaria hoje, se ela estivesse viva. cadê o espírito natalino?". comeu a lasanha um tanto sem sabor assistindo a um filme sobre natal e pessoas felizes na tv.

ele, dentro de seu carro, ligou para seu filho. desejou feliz natal e disse que ganharia um presente muito incrível que ele vinha preparando há meses. o menino ficou curioso para saber o que era, mas seu pai disse que o natal era somente no dia seguinte e seria este o dia em que ele ganharia seu presente. logo após desligar o telefone, ele deu partida no carro e dirigiu até um lugar um tanto afastado. lá, ele tirou o cinto de segurança e aumentou a velocidade do carro de forma tremenda, quando o carro atingiu seu máximo, ele mirou em um poste, batendo drasticamente de frente. o carro ficou destruído, ele morreu, o poste caiu e a transmissão de energia foi interrompida para toda a cidade.

quando o filme estava chegando ao final, a luz acabou. ela ficou chateada por não poder ver o fim do filme e foi dormir deprimida por não ter mais a vida bonita que os filmes mostram.

no dia seguinte, o menino recebeu uma ligação da polícia e outra da empresa de seguros. a polícia dizia que seu pai morrera em um acidente de trânsito, a empresa de seguros disse que ele ganhara alguns milhões de reais por conta da apólice de seguro de vida de seu pai.

23.12.09

um ano - balanço geral

aí que algum dia desses o blog fez um ano de idade.
nesse ano publiquei 30 contos, oito crônicas, dez entradas no diário da amanda e mais um monte de besteiras que nem vale a pena ser lido.

nesse meio tempo, desde o começo de fevereiro até hoje, foram 3884 vistas gerais e 2009 visitas únicas, de oito países diferentes pelo mundo. número que eu considero expressivo dado ao conteúdo do blog, pseudo literatura na internet. e leitura na internet não é algo que traga muitos visitantes. os dois textos mais acessados foram carta de amor, graças ao grande número de gente preguiçosa que quer achar uma carta de amor pronta no google para entregar ao amorzinho (eu ainda farei um modelo de carta que é só trocar o nome e vou liberar pra geral pegar) e a crônica cigarro e manipulação das massas que foi divulgada no site fumantes unidos (o qual sou colaboradora com textos) e, desse site, foi linkada para mais alguns outros, o que gerou grande número de visitas desde sua publicação.

há de se dizer que esse blog é totalmente experimental para mim, o uso como ferramenta de treino para meu objetivo maior. logo, há muita coisa ruim mesmo publicada aqui e uma ou outra coisa boa. então eu acredito que o balanço anual foi produtivo.

no mais, caro leitor, digo que farei o possível para publicar mais dois contos e pelo menos uma entrada no diário da amanda até o fim desse mês. já tenho as ideias, é só questão de tempo até a publicação.

para quem acessou uma vez e gostou e voltou, muito obrigada.
para quem acessa sempre porque é meu amiguinho, muito obrigada.
para quem acessa sempre porque gostou e nem me conhece, muito obrigada.
para quem veio parar aqui por causa da preguiça e a vontade de pesquisar no google uma carta de amor pronta para entregar pro amorzinho, bem, você fez número.

18.12.09

só pra eu lembrar pra sempre:

" joana,
Thank you for all advice and support.
Your dedication is so impressive. I learned a lot with you about culture, experiences and I felt honored to have you as my teacher."


wishing you the biggest, brightest Holiday season ever.






eu amo poder passar conhecimento para os outros e ainda ser paga por isso. essa mensagem valeu todas as noites que eu não dormi, não saí, não me diverti, valeu por todas as lições de casa corrigidas, todos os alunos chatos e tudo mais.
eu estou emocionada, mesmo.

17.12.09

f5

espera só semana que vem, espera. última semana de trabalho do ano.

7.12.09

nós te amaremos do jeito que fores, desde que sejas perfeita

estava sentada no canto de um quarto, numa cadeira dura. ela, ao olhar as paredes, se lembrava de como as coisas costumavam ser, perguntava-se como poderiam ter sido, uma mistura de saudosismo e masoquismo. ela sempre fora uma mulher decidida, sem questionamentos, sem distrações, sempre centrada na maior coisa possível, o grande objetivo. na verdade, fora ensinada a ser assim, quando menina era uma criança sonhadora e ingênua como todas deveriam ser, pintando, sonhando, sorrindo. ao crescer fora ensinada diversas coisas; "nunca perca o foco!", "não se abata com as pequenas derrotas!", "se alguém não gostar de você, dê as costas e mostre o quanto você é especial e inteligente!", "esteja sempre no seu melhor!", "nunca, jamais perca o foco!" as vozes diziam. as vozes eram como inquisidores apontando todos os erros, destacando falha por falha, repudiando qualquer derrota. "a você não é permitido perder, menina", "você foi criada para ser a maior, a melhor, a perfeição em forma de mulher."

ela começou a perder sua ingenuidade quando tinha por volta dos sete anos. ensinaram-na como se portar em lugares finos, cobravam-na esse comportamento todas as horas, em todos os lugares. teve educação digna de todas as princesas do mundo, fora ensinada das mais finas artes, das correntes filosóficas, da mais pura música. foram descobertos seus talentos natos, fora forçada a desenvolver os inatos energicamente. ela fora moldada para ser a mais inteligente, a mais focada, a mais pensante, a mais habilidosa. ganhou medalhas de honra nas escolas que estudou, graduou-se com honras nas universidades que cursou. fora sempre a mais bonita, a mais invejada, a mais cobiçada, a mais notada, a mais notável.

a coisa que ninguém parecia se importar era como ela se sentia. ninguém nunca a perguntou como ela estava, o que ela pensava, o que ela queria. pessoa alguma entendia o descaso que ela tratava dos troféus levados para casa, ficavam lá, dentro da estante com portas de vidro e ela nunca os olhava. "esses troféus não valem nada!", "você poderia ter se saído melhor!", "não acredito que só conseguiu isso!".

há de se notar que ela foi a melhor do ramo que fora escolhido para que trabalhasse, há de se notar, também, que ela teria sido a melhor em qualquer ramo que pudesse ser escolhido. mas era forçada a ser sempre melhor e melhor e melhor, não importando a situação, não importando se estava doente, não importando o quão imaginável o objetivo era.

"você tem que formar uma família!", "conseguir um bom marido!", "ter um casal de rebentos!" fora dito. não era dado conta, entretanto, que ela realmente não gostaria de ter filhos, nem de achar um bom marido, nem de formar uma família ou qualquer coisa que lhe era dita. mas ela sabia que não poderia ir contra às regras, sabia que haveria graves consequências, "é tudo para seu próprio bem, querida.". formou uma família, achou um bom marido e teve um casal de rebentos. fora muito bem sucedida na vida que levava.

até que um dia as vozes cessaram abruptamente. viu-se desamparada, sem ninguém para lhe guiar e dizer o que deveria ser feito. teve liberdade pela primeira vez desde que tudo começara tantos anos atrás. logicamente ela poderia ter dado conta de tudo com tudo que lhe fora ensinado, logicamente ela ficaria tentada a experienciar o significado real de liberdade e ela logicamente decidiu experimentar o inexperimentável.

algum tempo depois do silêncio imposto, alugou um quarto simples, com papel de parede azul claro, desbotado e amarelado que estava descolado em alguns lugares. havia um espelho com marcas do tempo sobre uma penteadeira parcialmente denegrida pela ação de cupins, uma cama com lençóis amarelados e havia um evidente cheiro de mofo preenchendo todo quarto. sentou-se à penteadeira, tirou um copo da bolsa e o postou suavemente sobre ela, tirou algumas pílulas e as colocou ao lado do copo, tirou de sua bolsa uma garrafa com um líquido colorido de gosto forte e encheu três quartos do copo. como em um ritual, ela pegava a pílula, a colocava em sua boca e a engolia olhando-se ao espelho, assim o fez com cada exemplar que havia sobre o móvel.

ao terminar, deu a volta na cama e sentou-se sobre a cadeira que havia ao canto do quarto, dando a visão angular de todo ele, ela era dura e desconfortável. e foi ali, naquele quarto que despertaria repulsa em qualquer pessoa normal, naquela cadeira desconfortável que ela teve seus últimos minutos de vida. não havia esquecido, porém, das lições ensinadas de sempre estar em sua melhor forma. depois de relembrar sua vida, logo antes de dar seu último suspiro, a única coisa que conseguia pensar era: "agora eu tenho liberdade para fazer o que eu quiser.".

2.12.09

tudo que você poderia sempre ter querido saber de mim

eu fumo, não pretendo parar de fumar. depois de três meses de convívio eu passo a ser extremamente previsível e, por isso, fico chata. eu trabalho muito, mas morro de preguiça. adoro dias de ócio. gosto de vodka boa e bebo pelo gosto, não para ficar bêbada. gosto de coisas singulares que não agradam à maioria da população, música, bebida, literatura. comida não, me alimento basicamente de pão com alguma fonte de proteína no meio e maionese e mostarda. fico anos sem comer frutas. me alimento uma vez ao dia. compulsiono aos fins de semana. tenho muito mau humor ao acordar, tirando isso, só tenho mau humor se houver a combinação de calor e sono. sou aberta ao diálogo e à mudanças, por mais que eu ame a rotina. não hesito em cortar qualquer pessoa que eu já tive qualquer afeição da minha vida quando necessário, me acostumo fácil à ausências. quando falando de namoros, o que me fode é o ego, sempre. meu ego já foi um monstro mitológico que poderia devorar a tudo e todos, ele abaixou um pouco, continua sendo maior do que o da maioria da população, entretanto. sou inteligente e acho que a minha inteligência é a única coisa decente em mim, me acho feia, gorda e idiota. me acho mais inteligente que a maioria da população mundial, por mais que eu tente achar que minha inteligência é mediana. pessoas que oscilam entre a idiotice e complexidade de pensamentos e filosofias extremas costumam me atrair um bocado. falo palavrões pra caralho. sou fútil. não sigo moda e acho o cúmulo pagar caro por roupas. só sou consumista com aparelhos que despertam meu interesse, como fones de ouvido e óculos. não me importo em dar presentes para todos que estão no meu convívio íntimo, por mais que eu saiba que eles algum dia sairão da minha vida ou serão totalmente escrotos e devidamente cortados por mim. gosto de cachorros. não uso drogas ilícitas e faço da literatura uma droga maravilhosa. adoro quando pego uma saga em série e leio sem parar até terminar, durante o período você é transportado para aquela dimensão viajada e sai da vida real. sou autodestrutiva, fumo porque eu gosto e faz mal, me alimento mau porque é gostoso e faz mal. não quero viver para sempre e tenho horror a quem diz que quer viver para sempre. oscilo entre depressão crônica e distimia. acho que algum dia isso poderá evoluir para algo mais sério mas tenho muita preguiça para ir a algum psicólogo/quiatra para eles me falarem exatamente o que eu já sei. apesar disso acho que poderia fazer bom uso de remédios (misturados ao álcool dá barato). não sou arrogante. respeito a todos e acho que a falta de respeito é o maior problema do mundo como um todo. não gosto de baladas nem de pessoas de baladas. não gosto de pessoas, na verdade. gostaria de ver o mundo acabando sentada numa colina e esperando chegar a minha vez fumando um cigarro. não dou valor algum à vida. não costumo cometer o mesmo erro duas vezes. ainda quero chegar o mais próximo da perfeição que possa ser possivelmente alcançado por algum ser humano. tenho necessidade de me provar melhor do que eu mesma acho quase diariamente, quando não, é por causa da preguiça. tomo muito café e coca zero. apesar disso e de fumar meus dentes não são amarelos. não brigo com ninguém nem fico nervosa facilmente. não gosto de coisas salgadas, sal é quase que totalmente dispensável. sou um tanto disléxica e não sei quando tenho que usar s ou c. meu cabelo cresce muito rápido, mudo de cabelo a cada três meses e já tive quase todos os cortes de cabelos possíveis. sou indiferente à maioria das coisas, pessoas e situações. tenho mais afeto à pessoas inteligentes e folgadas porque sou inteligente e folgada também. nunca sentei para estudar na minha vida e nem sei como fazer isso. tenho uma facilidade quase irreal para desvendar pessoas, um simples encontro e já posso dizer os traços mais marcantes da personalidade de quase qualquer pessoa do mundo. alguns amigos abusam desse dote que eu tenho. eu sempre descubro o que eu quero descobrir, então, nunca minta para mim. eu minto muito para quase todo mundo, são sempre as mesmas mentiras para que eu não me contradiga porque eu esqueci o que eu disse. elejo algumas pessoas que decido que não mentirei e assim o faço, só para provar pra mim mesma que eu posso ser leal se eu quiser. não gosto da cultura popular e sou totalmente alheia a ela, bons fones de ouvido e ausência de tv fazem bem o papel de filtro de mediocridade das coisas que realmente importam. gosto de música erudita. eu sei fazer anéis com a fumaça do cigarro. não tenho memória, sou capaz de ouvir a mesma história algumas vezes, não me lembrar dela, e tecer os mesmos comentários no fim de cada uma, segundo meus amigos, porque eu realmente não me lembro de ter ouvido as histórias antes. e isso é basicamente tudo que você poderia querer saber de mim.

30.11.09

17/11/07

meu pai começou a terapia anteontem, ele me disse que é bom pra ele. eu concordo, a terapeuta concorda e até minha mãe concorda. ele só começou porque ela pediu pra ele começar, segundo o que ela me disse eles tiveram uma conversa bem franca sobre ela indo pra "terra dos mortos" (palavras dela) e ele tendo que cuidar de mim e, por isso, ficar forte e tudo mais. pela primeira vez na vida dela ela foi mãe de verdade. ela me contou tudo, estamos tendo um bom relacionamento, pela primeira vez na minha vida. acho que ela descobriu que vai morrer e que foi uma mãe horrível e tá tentando consertar as coisas. tô aproveitando...

estou aceitando melhor a condição dela, temos conversado bastante e ela me fez ver que ela morrer não vai fazer muita diferença na minha vida. e, além de tudo, ela está feliz em ir embora. ela me assegurou que me ama e que ama meu pai, mas a vida que ela levava nunca foi a vida que ela quis pra ela. eu respeito a visão dela, entendo também. ela só fez as cosias que fez, só deixou a vida dela do jeito que ela não queria pro bem do meu pai e pro meu. foi um fracasso total, mas foi o melhor que ela pôde. ela pediu pra eu não falar nada disso pro meu pai, e eu nem ia falar mesmo, acho que seria o que faltava pra ele surtar.

tenho estado bem perto do meu pai também. tô tentando ajudar da melhor maneira possível, mas acho que com terapia ele vai conseguir se segurar. o que fode é que ele ama minha mãe demais, tá sendo muito difícil pra ele. mas tô fazendo tudo que eu posso pra deixá-lo feliz e tudo mais.

na escola está tudo bem, tenho tido notas boas e praticamente já passei de ano. a elisa também. ela continua estudando comigo. ela tem dormido aqui bastante. ficamos conversando e tal, ela me conhece melhor que todo mundo. outro dia dormimos abraçadas, foi bem gostoso. acho que tô começando a gostar dela não só como amiga. mas ainda não sei, quando eu descobrir o que tá acontecendo eu escrevo aqui. por enquanto tá tudo muito confuso, nunca pensei que fosse gostar de uma garota. talvez seja só carência, sei lá.

vou dormir porque eu tô com sono.

17.11.09

divagação

você sabe quando tem algo estóicamente errado quando não há nada a reclamar.


impassibilidade é tããããão marasmenta.

13.11.09

a/c grandissíssimo senhor todo poderoso

oi, desculpe não ter dado notícias nos últimos tempos. está tudo bem? então, tenho que contar, o mundo ficou de pernas para o ar nos últimos tempos! você acredita que as pessoas estão fazendo tudo que elas diziam que jamais fariam?

o cristiano está gay no momento, mas ele já foi bissexual, zoófilo, necrófilo, pedófilo e qualquer outra coisa que se imaginar. logo ele que era todo moralista!
a elize resolveu que iria emagrecer, está anoréxica, pesando menos que uma criança de nove anos e se acha do tamanho de uma orca. isso porque ela disse que jamais abriria mão da coxinha e do açúcar.
o lucius, que não gostava de drogas nem nada do tipo, resolveu que iria começar a fumar maconha. ele gostou do barato que o thc dá e foi ver qual era a das sintéticas: lsd, cocaína, bala, doce, brigadeiro, bombom, está usando tudo, sintético ou não. virou traficante e está matando todo mundo que chega perto das drogas dele, ele diz que importa tudo da colômbia. e ele adorava a realidade que só a sobriedade proporciona.
o geraldo que era todo pró diversidade e igualdade étnica levou um pé na bunda de uma etinia e agora odeia e mata todos os japoneses que vê pela frente.
o bruno e a leila morreram porque são japoneses e encontraram o geraldo uma vez. pena, eles eram tão legais e não tinham se corrompido.
a deborah virou prostituta, do nada ela decidiu que a vida de freira não era para ela, e, segundo o que ela mesma diz, seus planos são economizar e virar cafetina.
o henrique abriu um negócio novo. tráfico de órgãos, em parceria com a deborah, ela dopa os clientes (que pagam para ela adiantado) e roubam alguns órgãos. ela fica com o dinheiro do programa que ela não fez e ele com o dinheiro dos órgãos furtados. acho que é porque ele queria ser médico.

a lista vai e vai até aproximadamente seis bilhões e meio de pessoas. as outras poucas são as que não estão fazendo nenhuma atrocidade e acuadas em seus esconderijos. fiquei todo esse tempo sem escrever porque você me disse para não lhe importunar caso a situação ficasse realmente grave por aqui. pois bem, a hora é essa. eles estão se matando, acabando com tudo. mande alguém para cá urgentemente! se não quiser salvá-los, mande uma ordem para que eu possa pegar o transporte e sair desse mundo estranho que você me pôs para analisar o quanto antes.

atenciosamente,
diretora do serviço de análise geral do sétimo decreto de seres em evolução

p.s. tente salvar os pobres bastardos, me afeiçoei a eles nesse tempo que fiquei por aqui, eles tem potencial.

4.11.09

cigarro e manipulação das massas

eu fumo. fumo mesmo, adoro um cigarro. aliás, um só não, dois, três, vinte, quarenta, oitenta, todos os possíveis. as pessoas me associam a imagem do cigarro de forma ferrenha. os conhecidos perguntam para mim que tipo de cigarro é o que, qual cigarro é mais parecido com qual, qual a diferença de um para outro... já ensinei muita gente a fumar, e não me venha com aquele discurso politicamente correto, a pessoa já estava com um cigarro na boca, ensinei a usá-lo da maneira apropriada e a qual o lindo bastão nicotínico merecia: a tragar, os diferentes tipos de tragada, como segurar, como se portar com um cigarro na mão e assim por diante.

não, esse não é mais um texto sobre o digníssimo governador de são paulo com sua lei infame e anticonstitucional, caguei pra ele e pra proibição dele. é mais sobre o resto da população que mais parece com um rebanho de cordeirinhos que falam "mas você não vai parar de fumar?", "isso vai te matar!" e outros jargões que cansam. cada um tem seu vício, sua válvula de escape, o que seja... o meu é o cigarro, e não, não vou parar de fumar. pelo menos não tão cedo. não que eu jamais pense na possibilidade, nunca digo nunca, não sei o dia de amanhã. mas, quando eu coloco na balança, ainda há mais aspectos positivos do que negativos.

eu fumo porque eu gosto. aí virão anti-tabagistas chatos falar "isso é papo de viciado." e eu mando enfiar um aceso bem no meio do rabo. não é só por vício, eu consigo ficar um tempo absurdo sem fumar quando me convém, sem a menor vontade de fumar. o ônus da questão é que essas situações não se repetem com muita regularidade na minha vida. apesar disso não excluo a possibilidade de vício nicotínico.

eu fumo porque é meu tempo sozinha, sem ninguém pra me atazanar. é o meu prazer único e intransferível que eu posso fazer em público e que não preciso da ajuda de ninguém. já tive epifanias tremendas nesse tempo, já achei soluções para problemas incríveis, já achei resoluções de vida e algumas coisas a mais. o cigarro é amigo. a fumaça é bonita, fumar é sexy (não em mim), é bonito. e nem se pode dizer que fui vítima da inquisição da moral e bons costumes, quando eu era criança a ponto de entender as propagandas elas foram abolidas da tv, e devo dizer, nunca vi muito senso no cowboy do marlboro, nem nas ondas do hollywood e nem lembro da propaganda do free. acho bonito porque acho, do mesmo jeito que acho bonito uma mulher com camisetão desbotado, cabelo desgrenhado e descalça.

falando em propaganda, tempos atrás fui a uma exibição (que tentava ser anti-tabagista) sobre propaganda de cigarros nos primórdios da publicidade. as propagandas ostentavam jargões engraçadíssimos como "em vez de pegar um doce, pegue um luckie", "camel, o cigarro que os médicos preferem", "luckies não irritam sua garganta. é tostado!" e uma peça hilária de marlboro com fotos de bebês. nunca entendi publicitários (meus amigos publicitários que me perdoem, mas para mim essa é uma ciência que só vocês entendem). hoje, a propaganda está reversa. usam opiniões de médicos conceituados na mídia para embasar teorias não comprovadas cientificamente, adestrar a maior parte da população mundial criando medo inexistente. ninguém divulga que não é comprovado que o cigarro cause câncer, que a fumaça que sai do cigarro não é prejudicial (segundo pesquisa da OMS) e mais um monte de balbúrdias que eu tenho muita preguiça de elencar agora.

o mérito desse último parágrafo é observar o contraste de publicidade sobre meus grandes amigos. de mocinho a vilão em cerca de cinquenta anos. li em algum lugar tempos atrás que essa perseguição ao cigarro, tornando os fumantes praticamente criminosos, é um tipo de novo método de manipulação de massas, praticamente ditatorial. oras, você se pergunta, como é ditatorial se eles não me forçam a nada? muito bem perguntado, meu caro leitor, vamos lembrar da sua infância, sim? melhor, vamos tomar um cachorro sendo educado como exemplo: quando o cachorro faz algo errado, ele é punido. quando ele faz algo certo (lembre-se: certo é o que você quer que ele faça) ele é congratulado e ganha um prêmio. os governos mundiais estão fazendo exatamente a mesma coisa com as pessoas incluindo, provavelmente, você. resolveram que fumar era algo do mau, que só pessoas más o faziam. começaram a plantar essa idéia aos poucos na cabecinha de cada uma das pessoas. cachorros são maus quando fazem xixi dentro de casa. pessoas são más quando fumam. mas você não quer ser mau, você quer ser bonzinho. quem quer ser mal? o mal sempre perde no fim! você passa olhar para os cigarros com outros olhos. você quer ser bom, mas para ser bom, você precisa detestar, odiar, desrespeitar tudo o que dizem que é mau. o cigarro é mau, você deve repudiá-lo com todas as suas forças. fazendo isso, acatando à visão que querem que você acate, você vira uma boa pessoa. o bom cidadão. e eu digo: você é um cordeirinho sendo levado para onde querem levá-lo. o cachorro também começa, cedo ou tarde, a achar que fazer xixi dentro de casa é coisa de cachorros maus.

cigarro causa câncer. viver causa câncer. cigarro mata. todos os não fumantes também vão morrer. se você fumar você vai virar um bebê de compota. se você fumar você vai acabar com toda sua família, todos irão sofrer por causa do cigarro. se você fumar você vai broxar. se você fumar... tudo balela. é só pesquisar um pouco que você descobre tudinho sobre essas coisas.

eu fumo, fumo mesmo, e gosto, gosto pra caramba. continuo nadando contra a maré, continuo não abdicando de fazer o que eu quiser com a minha vida, continuo fazendo dela o que eu quero fazer. enquanto for uma droga legalizada fumarei. quando não for mais, me mudarei para algum lugar que ainda seja, e assim até o fim dos meus dias, ou até o balanço do ruim superar o bom. que fique claro: o meu balanço do bom e do ruim, não o do governo, não o seu, não o da minha família e assim por diante. não aceito pitacos dos outros sobre como eu devo viver minha vida.

28.10.09

f5

aí que o meu amigo praguejento fez a imagem nova do título para mim, já que não sou designer coisa alguma.

fora isso, sinto que devo certas explicações sobre a falta de atualizações esse mês: tenho três empregos e nenhum tempo livre. o tempo livre ou é para dormir ou sair com meus amiguinhos queridos. logo, quem sai perdendo é você - e eu (não pelos meus amiguinhos, mas por não exercitar as conexões neurais para não definhar na mediocridade).

minhas sinceras desculpas.

a avó do mundo

a viúva do senhor joão tinha tudo para ser uma ótima avó: cozinhava absolutamente bem, tinha um abraço bem gostoso, usava óculos, estava um pouco acima do peso indicado para sua altura, usava só vestidos - florais de preferência -, tinha um olhar bondoso e jovial... só que não tinha netos, nem filhos, nem idade para ter netos. por que seria então uma ótima avó?

a palavra viúva é relacionada a uma mulher velha, no fim da vida, mesmo que ela seja jovem. além disso, ela poderia ser uma ótima avó porque sempre estava disponível para ajudar quem quer que fosse com carinho e dedicação por puro prazer, exatamente como as avós fazem. era solitária na maior parte do tempo, as pessoas vinham para perto dela só quando precisavam de alguma coisa, infelizmente.

talvez as pessoas sabiam que ela não negaria ajuda a ninguém que precisasse, sua casa era praticamente um hospital para os sentimentos: "fui trocada", "ela me traiu", "ele é gay", "ele não me quer", "ninguém me ama... e a viúva do senhor joão sempre permanecia firme e forte para ajudar a todos os necessitados que vinham e iam em seus ritmos próprios, mas que sempre a deixavam sem ninguém para contar.

não que ninguém nunca tenha ficado, uma pessoa ficou: o senhor joão. este senhor era uma pessoa um tanto desequilibrada, há de se dizer. ele veio como outro qualquer que se amparava nas saias da então-não-viúva. ela o amparou, cuidou, ajudou, mostrou o caminho a se seguir... e ele seguiu, do lado dela. ele dizia que tudo que ele poderia fazer, ele faria melhor estando perto dela, já que a situação dele era irremediável. foi realmente uma história de amor bonita. os dois eram como os avós do mundo, o único porém é que a avó dividia metade de suas habilidades entre o senhor joão e o resto do mundo. viveram por alguns anos assim e felizes.

só que o mundo parecia que queria toda a atenção da viúva para si próprio, uma vez que o senhor joão deixou de existir muito cedo para os padrões da época. depois dele, ninguém mais quis permanecer perto da viúva, não que eles achassem que ela era amaldiçoada ou coisa assim, mas para que permanecer se ela sempre estava disponível quando precisavam dela?

a viúva ainda conseguiu ter alguns amores esporádicos para ela mesma, mas nenhum deles permanecia por muito tempo. talvez seja porque ela agisse como uma pessoa que pega gatos de rua para cuidar, depois de curados, vão-se e nunca mais voltam. e há de se dizer que ela tendenciava a se interessar pelos tais gatos de rua. não importava quais atributos ela poderia ter, eles eram sempre suprimidos pela razão necessidade X não necessidade dos gatos.

o fim da história é que a viúva do senhor joão, que não tinha netos, era a grande avó do mundo, ajudava a tudo e a todos e ficava solitária imaginando o que seria da vida dela se ela tivesse outro senhor joão ou uma família que lhe desse suporte e um terço do carinho que ela disponibilizava a quem quer que lhe pedisse.

20.10.09

paranóias também tem sentimentos

sintas intensamente: uma faca abrindo tuas entranhas e expondo em uma bandeja de prata tudo que existe aí. dói muito, absurdamente. dor latejante, pulsante, constante, cortante. é como se o próprio corpo rejeitasse a parte indigesta de si mesmo e a vomitasse sem maiores cerimônias. grotesco. um deslizar gracioso e ritmado de tripas imaginárias pelo chão, praticamente um espetáculo de ballet ou nado sincronizado.

por que? por que?! não é culpa de ninguém, nem minha, nem tua, nem de deus. é assim, não há escapatória: do ventre à sepultura e repetido incessantemente por toda eternidade. viver assim é perder a noção do tempo, um minuto é comparável a um ano que, por sua vez, é comparado à uma década, comparada a um século e assim sucessivamente enquanto houver números. é muito peso para aguentar sozinho, é muito peso para aguentar em conjunto, raios, é muito peso para aguentar com toda a humanidade!

ninguém. não há ninguém, nunca houve qualquer alma, nem a minha, nem a tua, nem a de deus. dói, incrivelmente, é o trabalho meticuloso e demorado de tortura. tudo é cortado, destrinchado, separado, feito da forma mais dolorosa possível, e quando se acha que não há mais pedaços grandes o suficiente para a prática, é tudo reagrupado como numa colcha de retalhos bem pequenos e é começado novamente - prática adotada diariamente.

que se corte, que se despedace, que se descabele, que se torture, que se queime com ácido... acostuma-te com a dor, acostuma-te com os sons aterrorizadores, acostuma-te com as risadas, as chacotas e as ironias, acostuma-te com tudo. ab-so-lu-ta-men-te tu-do. é o que profanam ao meio fio. que sabem eles? acham que sabem tudo sobre a dor por estarem no meio fio... tente o esgoto, tente embaixo do chão, tente no núcleo do universo! isso é dor. e, não, não dói mais aqui do que aí, não. não. não. dói muito, sempre, para sempre, eternamente.

não adianta pensar em alguma saída, não existe saída, não existem portas, não existem paredes. nada existe. não há motivos para procurar por ajuda, ninguém irá ajudar, só vão te usar, te sugar e te deixar por aí, no limbo. não, para que? não que te valhas muita coisa, mas o que fazem uns com os outros não há perdão, o que se suga uns dos outros não há limite. isola-te, paras com tudo, saias daí. não existe sinceridade, não existe amor, não existe carinho, não existe respeito.

não existo, sou uma paranóia criada por algum esquizofrênico. só se esquecem que paranóias também tem sentimentos.

"boa noite, meu anjo. você é quem sempre me faz sorrir. amo eternamente."



- dedicado àquela que me ensinou que sofrimento não tem limite.

16.10.09

preencha a lacuna:

escrever sobre ______________.


complete no comentário, sim? a resposta mais criativa ganhará um conto publicado aqui nesta página.

6.10.09

coleção sofrimento

sozinho, o resto do mundo está celebrando algo que não faz sentido algum. você consegue ouvir os fogos de artifício? e som do vômito alcançando a água que jazia parada no fundo da privada? ninguém por perto, nenhuma viv'alma para perguntar se está tudo bem. o telefone não toca, nenhuma declaração de feliz ano novo. totalmente, completamente, absolutamente abandonado. ele comemora sozinho com seu vômito e a privada ao som dos fogos de artifício ao fundo.

só mais um pouco. só mais um teco, um tiro, um pico. quero ficar louca, esquecer dessa merda toda. "e o seu filho?" raios que partam o moleque, não ligo mais para ele. não ligo mais pra nada, me deixe ficar sozinha. foda-se o menino, minha mãe cuidará dele, eu já sou uma mãe de merda mesmo, nem dá mais para me redimir. vai me passa logo o mesclado e a pedra. ele já me odeia, não tem nada que eu possa fazer. foda-se tudo, que tudo se exploda, eu não quero mais nada dessa vida. ele me odeia, entende? me odeia demais, não tem mais nada que eu possa fazer, me passa essa merda dessa droga que eu estou fazendo as carreiras.

ela nunca entendeu. quantas vezes pediu desculpas e disse estar arrependido! nunca, nunca, nunca. sabe que ele acabou com tudo, mas ele pediu clemência, pediu perdão! ela nunca o perdoou nem o perdoará. ele jazia moribundo, meio vivo, meio morto. nem ele sabia mais se estava vivo ou morto naquela hora. na hora que ela adentrou o quarto ele sentiu uma ponta de vida lutando em seu íntimo, lutando para se assentar e contagiar o resto, lutando para que aquela última centelha de vida fosse o que o resgataria da trilha sem volta. as últimas palavras que ouviu foram: "isso é menos do que você merece, seu filho da puta!". ao terminar de ouvir a frase ele fechou os olhos, uma lágrima rolou por seu rosto de sofrimento e a fagulha se apagou.

ela sempre amava seus casos esporádicos diários como se eles fossem sua alma gêmea. todos, um por um, ela amou, idolatrou e sofreu, sofreu eternamente com cada um deles. todos a rejeitaram, exatamente como todo o resto do mundo. ninguém a queria por perto, todos mantinham uma distância segura da leprosidade que ela carregava que ela não sabia da existência. ninguém queria ficar perto dela, nem ela mesma.

seus pais sempre o ignoraram. seu irmão mais velho era muito melhor que ele. era mais alto, mais bonito, mais inteligente, mais loiro, mais branco, tinha os olhos mais azuis, era mais carinhoso. ele era um zero à esquerda, um estorvo que ocupa espaço e gasta dinheiro. só isso ele era. ficava pelos cantos tentando não ser notado, tentando não chamar atenção, tentando não existir para que todos pudessem ser mais felizes sem terem que olhar para o aborto natural que julgava ser. ele nunca conseguiu deixar de ser notado como estorvo da família.

eu estava sozinho limpando a colhedeira ligada, eu tinha só dezesseis anos e muitos sonhos - eu tocava piano e era bom -, quando a manga da minha camisa se prendeu no mecanismo, eu tentei tirar, não saia, tentei tirar a blusa, mas não dava mais tempo, minha mão direita já tinha sido dilacerada pela máquina e não tinha soltado do meu antebraço eu tentei puxar, não saia. tentei gritar, ninguém me ouvia. estava sozinho, no meio da plantação recém colhida e cheia de palhas secas espalhadas por toda área. então ouvi um estouro e o chão tremeu poderosamente. depois de uns dias eu descobri que foi um raio que originou a primeira fagulha, mesmo que não interessasse mais. só sei que enquanto eu tentava me libertar das entranhas da máquina o fogo se alastrou e estava vindo à minha direção. então me deparei entre escolher morrer queimado ou tentar cortar meu braço e sair vivo. peguei meu canivete e comecei a cortar, o sangue começou a jorrar e eu ouvia nitidamente o som dos meus tecidos sendo dilacerados contrastando com o crepitar das fagulhas que se aproximavam. urrava de dor, ninguém me ouvia. só sei que me lembro até hoje do som dos músculos e ligamentos sendo rompidos radialmente até chegar ao osso. quando cheguei ao osso comecei a bater com muita força para conseguir quebrá-lo. foi a pior dor que senti em minha vida toda. o som do osso se quebrando, finalmente, foi aliviante e traumatizante. estava zonzo, minha pressão tinha caído por causa do tanto de sangue perdido. não sei como consegui me arrastar para fora da plantação, mas estou vivo. tenho uma vida horrível, sou incompleto e todos olham para mim com dó ou repulsa. se eu soubesse que seria assim teria feito a outra escolha.

29.9.09

22/10/07

nossa, fiquei tanto tempo sem escrever... é que a minha vida não mudou muito nesse meio tempo. mentira, mudou sim pra caramba: só a minha mãe que ficou doente de verdade e teve que ser internada. mas a mulher é tão louca que ela conseguiu que os médicos permitissem que ela levasse os negócios de pintura dela. tenho ido visitá-la quase sempre, mas os médicos disseram que o câncer não tem mais volta, que é só uma questão de tempo e blá blá blá, todas essas bostas que eles falam. cara, eu vou perder minha mãe! tudo bem que ela nunca foi uma mãe de verdade, mas, porra, eu tenho metade dos genes dela! mas eu tô bem mais preocupada com meu pai, parece que ele vai surtar em breve, e, assim, meu pai não pode surtar, se ele surtar fodeu tudo. então eu tô me concentrando mais nele. tentando fazê-lo ver que isso é o melhor pra ela, falar aquelas babaquices que sempre consolam as pessoas "deus quer assim, respeite a vontade dele..." com ele surte efeito, eu, pelo menos, tenho uma boa desculpa pra ir mal na escola, mas a elisa não deixa... já estou falando pro meu pai começar a terapia, eu não sei o que ele sente pela minha mãe, mas terapia pra ele não vai ser de todo mal... família de loucos, puxa, não vou ter filhos, imagina o futuro deles?

a elisa tá me dando muito apoio, aguentando todas as minhas tpms e crises de depressão. estamos cada vez mais próximas, ela é uma puta amiga, eu realmente a amo. ela diz que me ama, e eu acredito. ela tem estado bem próxima da gente, de mim, do meu pai e até da minha mãe, sempre que eu vou visitá-la ela vai junto. as enfermeiras acham que ela é filha da minha mãe também. na escola não desgrudamos mais, apesar de a elisa ser bem popular, mas eu não sou ciumenta... ela tá me fazendo ser mais popular também. acho que ela é popular só por causa da aura de "adolescente transviada" que ela tem... se soubessem que é só pose... hahaha

minha mãe está aceitando bem a doença dela. ela decidiu raspar a cabeça e não ver o cabelo cair por causa da químio. já levei diversas perucas coloridas pra ela usar, e ela está usando! não sei se a minha preferida é a verde limão ou a rosa berrante, mas ela realmente prefere a roxa. sempre que eu vou lá ela troca a roxa pela verde e depois pela rosa. acho que ela reparou que vai morrer e quer ser legal comigo. bonito vindo dela... talvez seja o jeito dela de pedir desculpas ou qualquer coisa do tipo. só espero que ela não me puxe pra uma daquelas conversas de gente que está morrendo e quer falar tudo que sente pelos outros e tal. ia ficar muito filme clichet americano... acho que nem quero. e outra, é porque eu não quero chorar na frente dela, eu tô meio que sendo a parte forte da casa agora, o que tá mantendo tudo de pé e funcionando. não posso me dar ao luxo de não ser forte agora, meu pai precisa de mim.

mas se não fosse pela elisa, provavelmente eu estaria descabelada ou me drogando por aí, então a culpa é dela de eu conseguir ser a forte aqui... não sei como eu vou poder agradecer essa amizade algum dia... a fabíola tá tomando conta da casa toda, ela é muito legal, faz parte da família já. acho que até ela vai sentir falta da minha mãe, talvez até a horácia sinta falta da minha mãe, mas eu acho que não muito, a cabeça dela é pequena, então o cérebro dela também é. e ela só viu minha mãe umas dez vezes, acho que ela não vai lembrar muito bem não...

eu vou sentir falta da minha mãe. queria que ela se recuperasse. bah, vou dormir antes que eu comece a chorar aqui.

21.9.09

começou

e eu comecei a escrever meu livro.


jamais pensei que eu iria falar essa frase e que eu ia escrevê-lo realmente.

17.9.09

trabalho nosso de cada dia

"I liked to salvador is the beautiful scenery, because have beachs, beautiful people, simpaticas people, things, clothes, many old houses good music, many good mu - sic*.
the river is many blue a beautiful blue, intresting musics!"



alguém acha que isso é uma redação? antes que venha me apedrejar, esse ser estuda inglês há, no mínimo (no mínimo, porque com isso não duvido que tenha reprovado algum livro), três anos e meio.




* separado assim porque a criatura resolveu que ia brincar de separação silábica no meio da "redação".

15.9.09

f5

aí que agora nada nem ninguém vai me parar.

parafraseando dresden dolls: let's see how fast this thing can go.

11.9.09

salada de frutas

eu sou amiga da atual do meu ex. essa é a frase que sempre causa espanto nas pessoas. não entendo o motivo dessa balburdia toda, é normal, natural, sei lá. a culpa não é minha dela ser legal, fui trocada por ela, pelo menos ela é tão legal quanto eu, só tem alguns atributos que eu não tenho, mas isso eu finjo que não sei para poder manter a amizade.

ela não era minha amiga antes, mas nos encontramos algumas vezes ao acaso, sabe como é, cidade grande, mundo pequeno. conversamos como duas pessoas civilizadas, como se ela não soubesse que eu já tinha chupado até o caroço e que ela estava pegando minha baba, e eu fingindo que a fruta não tinha me trocado por lábios mais carnudos. e não é que a menina era boa de papo? conversamos durante horas na primeira vez que nos vimos, o bonitão que deveria ser o centro da discórdia nem o assunto da conversa foi. fiz muita questão de contar pra ela do meu caso da época, sabe, pra não ficar com aquela ciumeira louca e desenfreada. depois da conversa trocamos contatos, email, telefone, essas coisas todas tecnológicas que aproximam as pessoas, continuamos conversando e viramos amigas. não éramos como amigas unha-e-carne, pastel-e-queijo, arroz-e-feijão ou qualquer outra alusão gastronômica que possa ocorrer, simplesmente conversávamos e tínhamos afinidades.

devo admitir que no começo eu queria saber dela com o único intuito de conhecer melhor a jogadora que tinha uma mão melhor que a minha naquela rodada. descobrir os segredos, as coisas que ela poderia proporcionar que eu não poderia, essas coisas de mulher trocada... e aposto que ela também queria a mesma coisa de mim, visto que ela teria que se manter melhor que eu para que não perdesse na próxima rodada. era um tanto difícil, aquietar o ego ferido e o coração partido para falar com ela com cordialidade e conseguir descobrir as coisas que eu queria.

aí que mantivemos contato primordialmente por email, é um jeito ótimo de se conversar com alguém: você tem tempo suficiente para achar o tom ideal para a idéia que você quer passar, além de ter a medida certa de trato pessoal e frio. e como as duas trabalham em escritórios de informática que emails são o principal meio de comunicação durante o expediente, ficava mais fácil ainda. um dia marcamos de almoçar, trabalhávamos relativamente perto, horários de almoço variáveis... almoçamos. conversamos muito também, o pior é que a desgraçada tinha tudo que eu tenho e um pouco mais. esse pouco mais eu demorei um tempo para identificar, mas é aquele tipo de mágica que só algumas pessoas tem, o tipo que acaba por subjugar todas as outras que não possuem tal dom. ela era realmente muito interessante, se eu não fosse tão aficcionada por formas fálicas eu provavelmente teria cogitado ter qualquer coisa com ela na época.

o que me intrigava é que éramos realmente muito parecidas, gostos, ambições, humor em comum. se fosse possível encontrá-la em outra situação provávelmente teríamos virado melhores amigas da noite para o dia. mas não, sempre tem um homem que não vale metade do esforço que desprendemos no meio. por causa dele nossa amizade levou alguns bons meses para ser construída, no meio tempo, ela estava lá com os lábios carnudos dela comendo a fruta que tinha sido minha e eu pulando de fruta em fruta para achar alguma que pudesse ser tão ou mais doce quanto a que ela estava chupando. a verdade é que eu demorei todo esse tempo para conseguir esquecer aquele maldito sabor, e sempre que eu os via juntos me dava fome e o pensar de que ela estava comendo a melhor fruta do mundo me assolava. mas ela era tão legal que até valia a dor alucinante que ela me causava umas duas vezes por mês.

nesse meio tempo chegaram minhas férias. fui viajar para outro país, e outros países, outras frutas. variedade incrível, todas ao alcance das mãos e com direito a amostra grátis, como se fosse um grande mercado de frutas em que os fruteiros dão pedaços de qualquer coisa que você pedir para experimentar. experimentei um pouco e achei a fruta perfeita para mim. doce e ácida na medida certa, gosto novo, formato anatômico, tudo feito milimetricamente pensando em mim. o bom é que a fruta também gostava dos meus atributos frutísticos, então nos demos muito bem. no fim daquele mês voltei para cá e, pasme, a fruta também, largou tudo lá e veio comigo.

quando cheguei de viagem com a minha fruta fui logo achar um jeito de marcar algum encontro social com a fruta ex e a mais minha mais nova amiga em potencial. aí que todos nos demos muito bem, conversamos como se fôssemos amigos de faculdade. as duas frutas se acharam o máximo e ficaram bem próximas. isso aproximou bastante a atual de mim, com as duas frutas se dando tão bem, não tínhamos muitas opções além de deixar a amizade crescer, uma vez que ela já não se sentia intimidada por mim e não doía mais em mim vê-la se deliciando com uma das frutas mais gostosas que eu já tinha comido.

viramos melhores amigas, enfim. nos ajudamos profissionalmente, trocamos dicas de cozinha, saíamos para comprar lingerie juntas e eu até dei umas dicas sobre os jeitos ainda desconhecidos por ela que a fruta que já pertencera a mim preferia que fosse mordida. no meio tempo, as frutas se aproximaram muito também, eram da mesma espécie, tinham quase as mesmas características, a diferença básica é que a fruta nativa era tropical e a importada setentrional.

tudo ia muito bem até o dia em que as frutas propuseram fazer uma salada conosco. pensamos juntas, conversamos bastante e decidimos que faríamos a tal salada. misturar gostos é uma coisa para poucos corajosos, e coragem era o que não nos faltava. a salada de frutas foi uma coisa incrível, deliciosa por completo. foi tão bom para todos que passamos a fazer isso com uma certa periodicidade. no meio da salada cada um de nós teve a chance de experimentar a fruta da mesma espécie que estava lá. e, bem, não posso dizer que não gostei... falando a verdade eu gostei muito, até acho que está virando meu tipo preferido de fruta. conversei com ela, ela está tendo os mesmos pensamentos que meus, afinal somos parecidíssimas.

agora estamos tentando achar um jeito de contar às frutas que mudamos de gostos e talvez não queiramos mais fazer uma salada com tanto sabor, preferimos um sabor diferente isolado daquela mistura toda. como iremos falar eu não sei, mas ela está de acordo comigo e eu com ela.

quero só ver o que as frutas vão achar disso tudo quando chegar a ocasião que planejamos expor nossas preferências gastronômicas. mas eu acho que tanto a fruta setentrional quanto a tropical gostaram tanto uma da outra quanto nós duas, então, acho que nem vai ser nada muito traumático para elas.

8.9.09

moral da história

estava a andar por um campo minado numa tarde de domingo ensolarada. dei um passo. click. "merda, vou perder minha perna". BOOOOOOOOM!!! voei alguns metros, legal, economizei uns passos. peguei meu cinto num ímpeto de sobrevivência e manufaturei um torniquete para não sangrar até secar. torniquete feito, tive que andar, ou melhor, pular até sair desse campo minado e conseguir ir até o hospital. no primeiro pulo, click. "merda, outra bomba. deveria ter me arrastado..." BOOOOOM!!! voei mais alguns metros e saí do campo minado. peguei um cipó para fazer outro torniquete e conseguir ajuda antes de todo meu sangue esvair-se pelo meu recém adquirido cotoco. eu consegui chegar ao hospital depois de me arrastar por cinco dias e hoje estou vivo.

moral da história: às vezes perdemos as duas pernas para continuarmos vivos. o segredo é só não se importar com piadas de pessoas cotocas depois de ter que se arrastar por aí sem pernas. vendo pelo lado bom, você ainda pode falar que é um tipo de herói de guerra e conseguir piedade alheia.

4.9.09

no psiquiatra

- então, qual sua atividade favorita?
- gosto quando estou dormindo.
- interessante, e por quê?
- quando estou dormindo ela não existe e o fato dela me ignorar não me machuca.
- hm. ... acho que lítio seria uma boa solução.



sinto que isso parece uma situation do ccaa. hahaha

busca ao sentido

ouvia o som de suas pálpebras piscando enquanto olhava para o teto e as paredes tentando descobrir o que acontecia em sua vida. seria só um sonho? seria uma realidade paralela? havia passado a noite com os olhos abertos tentando achar respostas para uma pergunta que nem sabia ao certo. não chegara à resposta alguma, também, pudera, não tinha inteligência exuberante, nem de charme ou qualquer outro atrativo que valesse à pena ser comentado. era só uma pessoa normal que jamais poderia chegar a uma resposta para uma pergunta que não se sabia qual era. mesmo sabendo que uma pessoa normal não está normalmente numa situação desse tipo.

como se metera em tal problema? como as coisas progrediram até chegar ao dado estado assombroso de existência? o que teria feito para culminar ao infame ponto? não sabia responder, a única coisa que sabia era que tudo ao seu redor estava decaindo e caindo num abismo tão profundo que o que passava da metade da queda em direção ao chão jamais poderia ser recuperado. desconforto? desespero? medo? nada disso, apenas calma e indiferença. se perguntava como alguém sentimental poderia estar tão indiferente ante à situação tão aterrorizadora. como antes, não chegou a resposta alguma e parou de se perguntar. ao menos para essa falta de resposta tinha uma pergunta, não que fizesse muita diferença, no entanto.

ao refazer seus passos reparou que as coisas simplesmente aconteceram daquela forma, sem nenhum motivo específico, sem nenhum padrão, tudo só aconteceu. pensou e repensou em suas atitudes, não havia feito nada que fosse realmente errado ou algo que a sociedade condenaria como coisa ruim. se esforçara para ser uma boa pessoa! tentara ao máximo fazer com que todos se sentissem bem. tentara em sua melhor intenção fazer com que jamais magoasse alguém. como algo assim não era contabilizado? deveria haver algo de muito injusto pairando o ambiente.

se virava na cama e ouvia o som de seus músculos e articulações rangendo, o som do colchão se deformando ante ao peso de seu corpo. nada daquilo fazia sentido algum; tentava e tentava e tentava achar alguma resposta e alguma pergunta certa mas não obtera sucesso. desejou ter muito mais ou muito menos capacidade de raciocínio, assim talvez conseguiria viver em paz sem ter as perguntas e suas respectivas respostas ou não ter pergunta alguma, ser inerte e ir conforme a correnteza poderia levar. seu maior problema era ficar na mediocridade de quem não está confortável com as indagações infundadas e sua ausência de perguntas.

só poderia ser uma realidade paralela, um mundo estranho que não era habitado por mais ninguém. como ninguém mais conseguiria sentir as mesmas coisas que sentia? como alguém não sentia a dúvida latejando em seu âmago? tudo parecia muito supérfluo: a vida, as relações sociais, a necessidade de viver em sociedade... por quê? para que tudo aquilo existia? só para medíocres passarem o tempo em que estavam conscientes perseguindo respostas para perguntas que eles jamais saberiam fazer propriamente? tudo parecia muito sem sentido aos seus olhos. olhos que ardiam e lacrimejavam por estarem abertos por tempo demais e por autocompaixão, aquela situação desagradava demais para continuar rolando na cama, estava com sono mas não conseguia dormir, precisava achar um jeito de conseguir entender tudo aquilo.

orgulhou-se por ter forças suficientes para levantar e preparar uma mochila para achar o sentido da vida, não era algo fácil de se fazer quando não se queria mais nada. olhou ao seu redor com a certeza de que jamais veria aquela casa novamente, um olhar saudoso de quem se despede de um ambiente que foi por muito tempo habitado, um lugar familiar que trazia segurança só por saber que existia. colocou a mochila nas costas e saiu.

sem companhia, sem direção e sem expectativas por muito tempo, dias, meses, talvez anos. perdera a contagem do tempo, sabia que o tempo realmente passava porque seu cabelo crescia e por alguma razão desconexa se lembrava que os cabelos cresciam até mesmo depois da morte. se soubesse que era uma lenda talvez tivesse perdido menos tempo pensando que morrera e não percebera. andava, comia o que conseguia, descansava onde podia, não tinha a menor concepção de onde estaria indo ou de onde chegaria, só andava. por muito tempo pensava na ausência de perguntas, na ausência de respostas, no sentimento constante de que algo estava brutalmente errado. havia perdido a sanidade? havia esquecido quem era? não, isso nunca soube na realidade, esquecera seu nome, sua idade, sua família, mas jamais soubera intimamente quem era.

muitos anos depois, talvez décadas, andarilhando pelo mundo uma senhora de cabelos compridos e prateados lhe ofereceu comida e algum conforto para algumas horas de descanso. depois que havia descansado e se alimentado propriamente a senhora reapareceu e começou uma conversa que no começo parecia despretenciosa e amigável. indagou-lhe a razão de abandonar tudo, recebeu como resposta a ausência de perguntas e respostas certas. a senhora, então, sorriu e lhe disse que alguns quilômetros à frente havia um grande penhasco e lhe assegurou que no meio do caminho até o chão encontraria as perguntas certas e quando chegasse ao chão encontraria as respostas para as perguntas.

ao chegar à borda do grande penhasco começou a descê-lo se apoiando em pedras e pequenas reentrâncias em sua parede. a senhora observava ao longe com um semi sorriso em seu rosto. quando escorregou e caiu desfiladeiro abaixo, a senhora só contemplou e exclamou para si mesma: "mas eles nunca aprendem, he, he, he." - se ela soubesse que, exatamente ali naquele momento, as perguntas certas foram feitas e ao tocar o chão as respostas foram alcançadas ela talvez não tivesse capacidade de exteriorizar enfadonho comentário...

f5

nem sobrou mais ninguém e mais nada agora.
muito trabalho e insônia. vidão.

31.8.09

renascimento

"tenho problemas para dormir e problemas para acordar. é que quando eu estou dormindo, tudo que é real está latente e inoperante, é o único conforto que tenho tido ultimamente. não tenho amigos, não tenho romances, a única fonte de amor que eu tenho será retirada de mim logo. como eu sei isso? oras, associação. cada vez que eu afirmei com veemência que não tinha mais nada a perder, um tipo de coisa que eu tinha que considerava virtualmente parte de mim foi tirado. então, por eliminação eles são os próximos.

nunca disse a meus pais o quanto eles são importantes e o quanto eles me transformaram no tipo de ser humano que eu tento ser. não sou, admito, mas ao menos tento ser. minha mãe me ensinou a pensar, criticar, questionar, ser independente, ter minhas próprias escolhas com base nos meus próprios princípios e brios, me estimulou a ter um mínimo padrão de moral o qual retirado de mim me tornaria uma pessoa mais desprezível que o pior dos seres humanos. meu pai me ensinou a ter responsabilidade, me ensinou a enxergar como as coisas são ou deveriam ser, a ser persistente, abdicar de coisas que poderiam me fazer ter status ou mais felicidade instantânea por um bem maior e me ensinou que nada na vida vem de forma fácil, me mostrou sempre que eu normalmente teria que lutar para conseguir qualquer coisa que eu quisesse durante o período em que estivesse viva. resumindo, meus pais me ajudaram a formar minha personalidade e meu caráter. eles sempre foram uma boa equipe, cada um de seu jeito, logicamente, minha mãe sempre foi a extrovertida, quem sempre soube falar a coisa certa na hora certa para você continuar indo em frente e meu pai sempre esteve como um porto seguro, a âncora de tudo, estabilizando toda e qualquer situação, dando a impressão de que não importasse o que acontecesse, ele sempre estaria lá para fazer as coisas funcionarem de novo. eles também me ensinaram a me defender de todos de modo não tão convencionais: eles são tão irônicos e sarcásticos que além de me ensinarem a ter resposta para todas as ofensas e saber lidar com as mais diversas situações complexas e desagradáveis, os métodos não tão normais, digamos, me ajudaram a desenvolver um raciocínio rápido e sagaz para respostas que não dão vazão a tréplicas que foi devidamente posto em prática durante a adolescência. e hoje tive o desprazer de descobrir que eu só posso contar realmente com eles para qualquer situação que possa vir a se apresentar em minha vida. nunca os agradeci propriamente por isso, então lá vai: obrigada, pai. obrigada, mãe. ter vocês por perto é a única coisa que tem me mantido um pouco sã.

apesar disso, eles não podem fazer nada por mim agora, como ninguém mais no mundo pode. tenho que reaprender a viver, reaprender a ter uma visão específica das coisas mundandas, redescobrir como fazer para conseguir as coisas que eu quero, redesenhar todo o prospecto de vida que eu tive até hoje e discernir a realidade e passar a entender esse novo ponto de vista tão absurdo que se instaurou em mim. é um caminho sem volta, então tenho que aprender a viver com ele antes que seja tarde e eu seja internada em uma clínica psicológica ou tenha que tomar barbitúricos para não começar a ver gente que não existe ou ter acessos psicóticos perigosos.

e não, não quero sua sugestão para a melhor forma de viver minha vida. estou lhe retirando esse direito, vá viver a sua própria e faça bom proveito dela. e não me venha com suas conclusões, não me estenda sua mão. quando eu mais precisei você não o fez, e tinha dito anteriormente que faria. abdico de sua amizade e lhe privo do que eu poderia lhe proporcionar.

abdico de meus sonhos, de minhas ambições, de minhas preferências, abdico de minha vida como um todo. talvez eu consiga vir a formar uma nova, a qual você não fará parte. desculpe se isso tudo soa muito hostil, mas retribuo da forma em que fui tratada durante todo esse tempo. não quero mais você por perto.

não há necessidade de despedir-me de forma hipócritamente falsa e gentil.
espero nunca mais saber de você."





ao mesmo tempo que a carta foi entregue pelo correio o telefone tocou informando que houvera um acidente e que ambos ocupantes do veículo haviam falecido instantaneamente. quanto a ela: enlouqueceu de vez, não tinha mais o porto seguro em casa. virou moradora de ruas e por elas vagou pedindo dinheiro para comer, fedia mais que um gambá, tinha seis amigos imaginários, cinco, na verdade, porque um deles era muito má pessoa e vivia falando coisas erradas dela pelos cantos.

ela nunca sentiu falta de ninguém, sua vida que já estava por um fio acabara de vez com o tocar do telefone daquele dia. ela era uma morta-viva, sem nenhuma razão ou ambição para viver e era feliz assim.






esse conto é meramente fictício, qualquer associação a um conhecido é problema seu e não foi intenção da escritora fazê-lo.

28.8.09

abandono

abandonei a vida, os sonhos, os amigos, as coisas que importavam e parei de escrever.


um beijo. até um dia.




- não, essas coisas nunca são sérias.

24.8.09

conversa de família

depois de chegar em casa, domingo à noite, sem ver sua mãe desde sexta feira, a progenitora indaga:
- e aí, filha, tudo bem?
e a cria responde:
-tudo sim, mãe, e com você?
depois de cerca de três frases de conversa social, chega-se ao tema:
- pô, mãe, tomei vodka belga hoje.
a resposta:
- é? e eu tomei cerveja tcheca! imagina todo o gosto da cerveja sem aquele amargo ruim que tem normalmente...
- ah, mas aí nem é cerveja, cerveja é amarga. a vodka que eu tomei era tão suave que se colocasse gelo ficara muito aguada e intragável.
a conversa se extendeu por alguns minutos sobre a propriedade amarga da cerveja e terminou com um filme bem dramático.





- adoro minha família.

18.8.09

sabedoria popular

agraciado é aquele que depende do transporte público rodoviário paulistano! não, o transporte não é de extrema qualidade. não, a tarifa cobrada não condiz ao serviço oferecido. não, não tem conforto nem espaço suficiente. mas mesmo assim, agraciado é aquele que pode desfrutar de uma das mais intensas experiências que ocorrem em mega cidades. explicar-se-á o motivo de tanta graça para com os cidadãos paulistanos: quem não pega ônibus não passa pelas intensas experiências de medo, estresse, afobação, suspense, calor humano, paciência... e a lista se alonga infinitamente (com o perdão da hipérbole).

as pessoas que andam de carro não vivem o drama de saber se o último ônibus já saiu. é algo estonteante e digno de felicidade tremenda chegar ao ponto final e ver que ainda tem mais um ônibus para levar-lhe para o aconchego de seu tão querido lar. essa situação geralmente ocorre durante o começo das madrugadas, visto que os últimos ônibus partem entre 23:00 e duas da manhã. mas, se é sabido o horário do último ônibus, como ter expectativa de que ainda exista algum ativo para levá-lo? oras, lembre-se que falamos de são paulo, caro leitor, e nesta cidade nada é extamente como dizem que é. você pode chegar ao ponto e o ônibus já ter saído, isso mesmo, antes do horário. inconcebível? para quem mora nos grandes centros europeus talvez, aqui até achamos organizado e damos graças a deus pelo pouco de organização que se tem. e quando o último ônibus já saiu, como proceder? segundo um sábio dos transportes urbanos, se você está ferrado, pegue qualquer ônibus que possa deixá-lo o mais próximo possível de seu destino e cubra o resto do caminho à pé, às vezes pode-se até dar sorte de pegar outro ônibus no meio do caminho que lhe deixe mais perto de casa. perigoso? o que é da vida sem um pouco de perigo para sentir o sabor mais acentuado de estar vivo? encare o perigo como uma folha de louro no seu feijão, é até gostosinho sem, mas se colocam tudo fica mais saboroso.

se conseguir pegar o último ônibus o cidadão paulistano enfrenta o medo. mas medo por que, se ele já está dentro do coletivo? é devidamente lembrado que o último ônibus sai durante as primeiras horas da madrugada e nessas horas, nas grandes cidades, ninguém é de ninguém, ou melhor, nada é de ninguém, o seu celular, que é seu e você comprou com o seu suado dinheiro, pode não vir a ser mais seu antes que você tenha tido a chance de pedir ao amigo ladrão para dar-lhe o chip, o seu tocador de mídia pode não ser mais seu em questão de segundos e só perceber quando ouvir o barulho um tanto ensurdecedor do motor desregulado do veículo que lhe leva e trás todos os dias. expectativa, medo e drama, todos juntos. quando um homem entra no ônibus, passa por baixo da catraca e está de touca e boné, desista, você perdeu tudo, até os tênis. você jamais experienciaria tal tipo de situação sentado num cinema assistindo a um filme de suspense, imagine sentado no conforto do seu carro, com o ar condicionado ligado, as janelas fechadas e tocando no rádio sua música favorita. é melhor pegar ônibus, mais emocionante é, com certeza.

depois de passar por tais provações no começo da madrugada, quando nada de errado acontece e o contribuinte chega em casa aliviado e se sente agraciado por tanta sorte, é chegada a hora de dormir um pouco para enfrentar mais um dia de trabalho que começa na manhã seguinte. e lá vai o paulistano atravessar a cidade para chegar em seu local de trabalho - e é aqui que entra o calor humano. com os ônibus cheios de gente, é hora de provar que se sabe contorcionismo e tem a astúcia e o equilíbrio suficientes para não cair em cima de ninguém - uma vez que sair rolando corredor afora é algo inimaginável até mesmo para uma barata que está descansado ao alvorecer em seu ninho embaixo da última fileira de bancos. esse calor humano é algo que dá gosto de se ver, todos juntinhos, apertadinhos, se roçando freneticamente... tome cuidado com namoradas e namorados ciumentos, tanto calor humano junto pode ser considerado caso grave de adultério devido à quantidade de corpos amontoados se encostando. quando o tempo de calor humano é esgotado - com a duração mínima de meia hora - é hora de descer na sua parada, respirar o ar puro do centro da cidade e olhar para o relógio contente porque não está atrasado. é válido dizer que a mesma coisa acontece no fim do expediente, a única diferença é descer do ônibus contente porque vai conseguir assistir à novela naquele dia.

quem não anda de ônibus não pode perceber o gosto musical das pessoas, o coletivo vira praticamente uma discoteca com várias pistas de dança tamanho é o número de celulares tocando, no mais alto volume que o aparelho puder suportar, os mais variados tipos de música, mais variados com ressalvas, visto que ninguém jamais presenciou bach ou chopin tocando ao lado de funk. mas as combinações de funk, pagode, sertanejo, forró e todas essas vertentes populares estão com todas as forças disputando espaço com o barulho do motor e os outros sons que vem da rua. agora junte todos esses estilos musicais tocando simultaneamente, o calor humano, o perfume de fragrância praticamente animal que as pessoas exalam por seus poros e o calor proveniente do dia inteiro e você tem o estresse. quando chega a esse patamar é só alguém encostar um pedaço de corpo em outro pedaço de corpo não tão ortodoxo para começar um bate boca e, eventualmente, uma briga de verdade. e aí tem-se o show e entretenimento suficientes para chegar em casa de bom humor.

ah, o transporte metropolitano de são paulo! é tão bem equipado e condizente ao número de usuários que só uma coisa pode ser dita:

haja paciência!

15.8.09

17/06/07

mais de um mês sem escrever aqui. que dona de diário relapsa eu sou. tava relendo as coisas que eu já escrevi, já terminei três dos livros do harry potter. são super legais, mas o harry potter é muito bobão. vou terminar de ler todos os livros até o fim desse ano, prometo pra mim mesma.

minha mãe ainda tá pintando os quadros loucos e feios dela. ela tá meio que vivendo num mundo paralelo estranho, ela pinta, come, fala uma ou duas frases com as pessoas e só. meu pai leva ela toda semana ao psiquiatra, mas ela não parece melhorar nada. já falei pra internar, acho que agora ele tá me ouvindo. tem que ver o que ele vai decidir... eu tenho tentado dar força pra ele, mas nem sei se eu tô conseguindo, meu pai é meio estranho. pelo menos preocupação pra ele eu não tô dando. ele tá se fazendo de forte e tal, mas eu não acredito muito, ele deve estar bastante preocupado. acho que vou conversar com ele mais diretamente.

a elisa tá praticamente morando aqui à tarde. chegamos juntas da escola, pentelhamos um pouco a fabíola, almoçamos, estudamos, fazemos qualquer coisa que dê na telha e ela vai pra casa dela. mas a elisa é muito legal mesmo. todo mundo deveria ter uma amiga como ela, ela me ajuda com tudo! é incrível o que essa menina faz. me sinto tão segura com ela! ela me faz rir, me explica as coisas da escola que eu não entendo, me dá força pra conseguir segurar as pontas aqui em casa... não sei o que seria de mim sem ela por aqui. ela é minha melhor amiga, sem sombra de dúvidas.

semana que vem vão sair meus amigos, eu e a elisa, pra ela conhecer o pessoal, vai que tem alguma menina legal pra ela lá, ou até mesmo um menino, vai saber... tomara que ela ache logo alguém, ela é incrível demais pra ninguém querer nada com ela. joão não estará lá, todo mundo ficou de saco cheio dele. menino chato. que bom que ele não vai! ^^ mas seria engraçado ele olhando pra cara da elisa e ela fazendo cara de má pra ele.

eu tô indo super bem na escola, ligaram para meu pai e disseram para me parabenizar pela evolução e tal. meu pai ficou feliz e a hora de voltar pra casa quando eu saio com o pessoal passou a ser às onze, e não às dez. culpa da elisa, ela que fica estudando comigo. sério, se não fosse por ela eu não teria melhorado minhas notas.

ah! essa semana teve seminário. eu estava super nervosa, o grupo era de quatro pessoas, então fizemos eu, a elisa e mais dois meninos. como eu e a elisa fizemos o trabalho inteiro, nós falamos a maior parte, e eu tava mó nervosa, eu não sei falar em público, sou meio tímida. daí a elisa me deu uns toques, a professora elogiou tanto nossa apresentação e ficamos com a maior nota da sala. foi o máximo!

é, vou dormir que eu tenho aula amanhã, segunda feira começa com duas aulas de matemática, haja paciência pra não dormir.

11.8.09

a entrevista

parte dois


para ler a primeira parte, clique aqui
o repórter olhou com admiração o ser que estava sentado casualmente à sua frente e fez uma pergunta balbuciante, demonstrando todo medo que estava sentindo.

- vo-você está há muito te-tempo neste cargo?
a resposta foi imediata:
- rapaz, não há necessidade de medo, se acalme um pouco, nada será feito com você. o acordo de responder todas às perguntas sem represálias será mantido. acalme-se um pouco para que essa experiência possa ser proveitosa para nós dois. quanto à pergunta, três milênios.

- obrigado. três milênios? não é muito tempo?

- não, para meu tipo de vida. para você é mais tempo que o concebível para qualquer forma de ser vivo.

- você nunca se cansou de estar no seu posto? aliás, como você chegou nele?

- se cansar é muito relativo, rapaz, é algo que você, com sua experiência de vida, não entenderia. cheguei no meu posto na mesma forma que todos chegam: fiz um bom trabalho sempre e me concederam o posto que todos aqui almejam. depois de muitos anos e muitas promoções e a indicação dos meu antecessor, cá estou. acho que tenho feito um bom trabalho.

- você disse que foi indicado por seu antecessor, como isso funciona? tem tempo de mandato? você indicará alguém? como é a aposentadoria?

- oras, é como num trabalho da sua dimensão, os indicados têm maiores chances de conseguirem, exatamente o mesmo daqui. eu provavelmente indicarei alguém, mas não compete a mim fazer com que assuma o cargo ou não, compete ao grande superior, ele manda em tudo. o tempo que se fica no cargo é indeterminado, as ordens sempre vem de cima. a aposentadoria eu ainda não sei. quando chegar a hora, você volta e me pergunta, pode ser?

- como é ser odiado e temido por todos?

-olha, rapaz, você se acostuma. se torna meio implícito que, se você vai fazer o trabalho sujo de deus, você ganhe algumas inimizades. então a parte do ódio e temor passam a ser normais, além de ser parte do nosso trabalho colocá-los na cabeça dos seres da sua dimensão.

- trabalho sujo de deus? como assim?

- sabe todas as desgraças que acontecem no seu mundo? são vontades de deus. mas ele não quer que o nome dele fique escrito lá, ia sujar a imagem que todos têm dele, isso não seria proveitoso para ele, então ele criou esse regimento que eu chefio para fazê-las.

- entendo. e como foi criado esse departamento?

- um dia, deus resolveu que começaria a punir o que ele chamava de "modelos da perfeição jamais alcançada", isso mesmo, sua raça. resolveu punir porque ele estava todo orgulhoso do melhor trabalho já feito por ele, e, bem... olhe para o seu mundo e verá que se aquele era o melhor trabalho dele - e já era a quinta tentativa, ele tinha dizimado os outros projetos sumariamente -, ele deveria ser deposto. então ele resolveu começar a punir os transgressores para ver se eles aprendiam na marra. mas ele não poderia fazer isso pessoalmente. você sabe, ele é o mocinho da história, ele lhes deu vida, um mundo bonito e todas as coisas boas, ele não poderia simplesmente começar a fazer o mal para vocês, sem que vocês ficassem ressentidos com ele e sem que vocês duvidassem dele. então ele conversou com um vassalo que tinha uma inclinação um tato sádica e o nomeou como diabo, o deus do mal, e começou a passar ordens para ele de como punir os transgressores. e assim foi criado o que vocês chamam de inferno.

- então seu trabalho como diabo é realizar única e somente o que deus manda?

- basicamente, sim. mas tenho outros afazeres, que foram concedidos pelo próprio deus, para facilitar a distribuição dos castigos. eu incito o ódio, a inveja, a cobiça, enfim, todos os sentimentos ruins que vocês têm, somente para testá-los. o maior problema de vocês, entretanto, é o maniqueísmo exagerado: o que não é bom, é mau. ah, isso me cansa absurdamente.

- e os dez mandamentos de deus? as regras que ele impôs para nós, da onde isso veio?

- rapaz, veio de qualquer lugar, menos de deus. sabe, ele não daria ordens tão cretinas quanto os dez mandamentos. acho que isso foi trabalho de algum estagiário querendo mostrar serviço. acho que ele foi destituído do cargo, porque, bem, o estrago que ele causou com essa coisa de mostrar a um messias o que todos deveriam fazer foi absolutamente estúpido. alguns acharam que fui eu quem mandou, mas eu jamais daria ordens tão cretinas sobre essas coisas. uma prova que deus não mandaria essas ordens: "não matarás", oras, se ele achava que vocês fossem tão evoluídos como ele pensou, ele não precisaria dar essa ordem, vocês já saberiam disso, sem ter que ser falado. e ele conhece a raça de vocês o suficiente para saber que se colocar um "não" em alguma regra é o mesmo que falar: "faça, por favor, estou implorando!". não seria algo muito esperto vindo de alguém que está no maior cargo de todos. e foi exatamente nessa ocasião que o chefe de todos desistiu de vocês.

- desistiu de nós? como assim?

- é. antes dessa idiotice toda dos mandamentos vocês até tinham futuro. ele até tentou mais um pouco, mas não funcionou bem. desde então ele deixou a meu cargo provar cada um de vocês para ver quais eram os poucos que sobravam que não tivessem sido corrompidos pela babaquice do estagiário e dentro em breve haverá uma grande peneira sobre quem é digno de continuar e quem não é. aí, os que sobrarem vão ser colocados no plano inicial novamente, o que eu achei uma decisão acertada dele. sugestão minha, por conhecer todos os podres de vocês como ninguém, fico feliz que ele tenha dado atenção às minhas sugestões. não demorará muito mais, no máximo uns cinquenta, cem anos. quando o plano for posto em prática novamente, dessa vez acredito que será bem sucedido.

- você está sugerindo que será o fim do mundo?

- o fim do mundo não, rapaz, o mundo da forma que você conhece provavelmente sim, mas não o fim do mundo de explosões do jeito que vocês tanto imaginam. grande parte de vocês morrerá, sabe-se lá o que deus vai fazer com os que perecerem, não me interessa, na verdade, mas a parte que continuar viva vai fazer com que eu não tenha mais trabalho com a dimensão de vocês. ou serei destituído do cargo, transferido para outro mundo, ou haverá uma grande mudança por aqui e meu cargo será totalmente reconfigurado. ainda não foi decidido nada, teremos que primeiro ver como vocês se comportarão depois da reforma que faremos no seu mundo. os preparativos já estão sendo ajeitados.

- que tipo de coisa poderemos esperar? e quem está coordenando os preparativos?

- os meios para os fins que queremos obter não me é permitido falar, o todo poderoso não queria nem que eu falasse dos planos, mas eu disse que os conhecia bem o suficiente para saber que sua publicação com essa entrevista será um passo acertado nosso, mais do que revelação de planos do além para vocês, vocês não acreditam em nada mesmo... mas quem está coordenando os preparativos sou eu mesmo. garanto que será uma grande festa. espero que você esteja vivo para presenciar, até eu gostaria de estar no seu mundo na época da reforma. divertido, divertido... há tempos não tinha divertimento assim.

- você se diverte com essas coisas ruins? o senhor não me parece ser um sádico que gosta do sofrimento alheio...

- não sou mesmo, rapaz, obrigado por não me julgar errado. coisas ruins... maniqueísmo, vocês precisam parar de pensar assim. é ruim tirar o que não presta de algo que tem todas as características necessárias para ser o melhor? não, na minha singela opinião, mas vou lhe explicar o que acontece pelo meu ponto de vista para ser interessante: imagine que você tinha bastante divertimento no começo do seu trabalho porque tudo era novo. cada erro absurdo que vocês cometiam! ah, como eu me divertia em fazer com que vocês aprendessem. sabe, acima de tudo, sou educador, se vocês chegaram até onde vocês chegaram em todas as coisas boas, é culpa minha. deus só dá ordens, eu que tenho que me superar para conseguir colocá-las em prática. mas, voltando, imagine que você vê os mesmos erros sendo cometidos sucessivamente por milênios. uma hora você cansa e quer acabar com todos os indignos de estarem em um mundo tão incrivelmente belo. e, finalmente, me foi permitido fazer.

- e como são feitas as punições?

- sofrimento. vocês só funcionam assim. só aprendem estando estraçalhados por dentro. tentamos fazer de todas as formas possíveis antes de apelar para essa, e, incrivelmente, é a forma mais eficaz com vocês. às vezes acho que vocês são como um projeto de escola de um garoto de doze anos: quem projetou imaginou o melhor, tentou o melhor, mas saiu uma coisa tão mal feita que dá até vergonha...

- obrigado pela parte que me toca! deus já planejou outros mundos com outros seres?

- rapaz, a crítica não foi para você pessoalmente. você acha que você foi selecionado para estar aqui sem razão? já lhe testei diversas vezes e você parece tão virtuoso como um cavaleiro que jamais existiu na inglaterra feudal. quanto à pergunta: já. mas o seu, por incrível que pareça, é o menos evoluído e com mais chances de atingir a perfeição que ele queria no começo. isso se a reforma der certo... se não der, não faço idéia do que possa vir a acontecer com vocês, só sei que não me importo muito.

- uma curiosidade pessoal, os grandes líderes que dizimaram muitas pessoas, como funciona?

- são alguns seres humanos mais toscos que o habitual, mas com algumas características exacerbadamente boas. digo toscos porque são tão sem qualquer fibra moral que esperamos de vocês que dá até gosto vê-los tomando o poder e agindo contra os que eles julgam inferiores ou inaptos a estarem vivos. mas devo dizer que a culpa é dos outros toscos sem melhores características deixá-los permanecerem ao poder. a culpa de tudo que acontece no mundo é única e exclusivamente de vocês. meu trabalho é testá-los. há os que passam nos testes com menção honrosa, os que passam de forma normal, os que passam raspando e, a grande maioria, os que não passam. então, os grandes estadistas que não tem a fibra moral esperada, mas que nem assim deixam de ser brilhantes em alguns aspectos, conseguem perceber essa distinção entre vocês - de forma deturpada, devo dizer - e começam a fazer a "limpa". totalmente errados, mas deles dá para tirar uma prova que entre vocês ainda existem os que se salvam, até mesmo para os meus padrões.

- e quais são seus padrões?

- meus padrões são altos, devido a minha criação e educação por aqui. quase todos aqui são dessa maneira, mas meus padrões são ainda mais altos. eu tenho gosto por coisas executadas à melhor forma que é possível respeitando os limites de quem as executa. aceito a limitação de vocês, mas só dos que se puxam além do limite que vocês costumam se impor. esses poucos merecem meu respeito, mas são tão incompreendidos por vocês. ninguém os dá o devido valor para eles que alguns deles tombam e começam a fazer o meu trabalho por conta própria, outros usam essa rejeição para algo maior e se tornam indivíduos realmente respeitáveis. eu gosto de quem não se limita a ser o que consegue ser, respeito quem quer sempre mais de si mesmo, ignoro quem se contenta com o que tem - preste atenção, não estou falando da parte material da coisa -, quem quer sempre evoluir. a maioria de vocês não é dotada dessas características. então eu respeito poucos da sua raça.

- e como é seu dia a dia? quais são suas tarefas diárias?

- como todo chefe de departamento - aqui ou no seu mundo - tenho que delegar muitas funções e só tomo conta das coisas que são realmente muito importantes e recebo relatórios diários de tudo que foi feito. às vezes tenho que consertar uma ou outra cagada feita por estagiários, aliás, importamos esse termo de vocês, é bom ter um nome mais condizente às bostas que eles fazem enquanto aprendem, mas meu tempo tem sido praticamente todo tomado pela preparação da reforma.

- você terá algum mérito pela reforma, se ela for bem sucedida?

- provavelmente não.

- e por que está se empenhando tanto?

- curiosidade... quero saber se estou julgando mau os poucos que vão sobrar. é só para ver se eu vou me decepcionar com eles ou não, porque realmente tenho expectativas com esses que foram lapidados por si próprios o suficiente para conseguir passar pela peneira, para ver o que eles conseguirão fazer depois. ou ver que a podridão de vocês não é culpa de vocês, mas sim de quem os criou. o que eu realmente espero que não, espero que alguns de vocês tenham evoluído o suficiente para suprimir as falhas da criação sozinhos.

- vejo que você é um ser de princípios, senhor diabo.

- sou, rapaz, tanto quanto você. você é um dos poucos a quem eu concedi o privilégio de uma entrevista, já que você é...

nessa hora houve uma batida à porta e um vassalo entrou e interrompeu:

- senhor, sinto lhe informar que a autorização que estávamos esperando chegou, é iminente o começo da preparação dela.

- em alguns instantes estarei na sala de reuniões. faça com que todos estejam lá quando eu chegar, sim?

voltou a encarar o repórter e disse:

- bem, rapaz, é chegada a hora de eu ir ao trabalho. digo-lhe que foi um prazer conversar com você, fez perguntas inteligentes ao contrário daquele carrilhão de perguntas estúpidas que vocês geralmente fazem. não é à toa que eu escolhi você para conceder essa entrevista.

- obrigado, senhor.

- um vassalo virá lhe ajudar a voltar para seu mundo, não se preocupe. tenho que ir.

o diabo se retirou e foi cuidar de seus afazeres, o repórter voltou ao mundo e publicou sua matéria - que vendeu muito bem e lhe concedeu imensos prêmios, por mais que todos acreditassem que eram devaneios de um futuro escritor exotérico - e publicou um livro sobre sua experiência.

quanto aos planos do além para o mundo, todos correram exatamente como o diabo previra. ele ficou contente com os resultados e, como também previra, fora destituído de seu cargo com méritos e gozou de sua aposentadoria precoce. segundo deus, o novo diabo - que não se chamaria assim - teria uma nova postura, mais apaziguadora, com mais compaixão que o diabo precedente não faria por questão de princípios. o novo diabo acabou sendo aquele que olhara com compaixão à porta da sala de entrevistas, sendo aquele momento o que decidira a favor dele no futuro que se fez presente.

28.7.09

a entrevista

parte um


a sala estava preparada: duas poltronas; uma mais alta e trabalhada que a outra; uma mesinha entalhada de carvalho no centro; a luz era um tanto escassa, vindo somente de velas ladeando as paredes, o que dava à sala um toque de obscuridade esperado de tal ambiente; nas paredes havia quadros dos maiores nomes da pintura, incluindo o retrato de dorian gray original, antes de ser totalmente deformado; um grande e trabalhado tapete persa por baixo de todas as coisas dava um toque real à decoração da sala, duas taças jaziam sobre a mesa à espera de pessoas.

um homem foi levado para dentro da sala. um pouco assustado pelo lugar em que estava, mas se sentou, postou no colo a mala que carregava, a abriu e dela retirou um gravador de voz - que foi colocado por sobre a mesa de carvalho - e um bloco de anotações - que ficou em suas mãos -, a mala foi colocada ao lado da poltrona e ele ficou esperando. o mesmo ser um tanto estranho que o tinha levado para a sala o serviu com sua bebida favorita. estava tudo pronto. foi pedido que ele aguardasse, a entrevista se iniciaria em alguns minutos.

um súdito foi avisar ao mais superior dos habitantes daquela dimensão que o repórter havia chegado. ele agradeceu ao súdito e continuou cortando as unhas do pé. "é bom que ele pense que eu estou ocupado", pensou, afinal ele era o ser mais temido daquela e de outras dimensões, deveria fazer jus à imagem alheia sobre ele. terminou de cortar as unhas, as olhou por alguns segundos e exclamou: "nem deus teria feito melhor!". colocou os sapatos e foi para frente do espelho montar a imagem que deveria ter aos olhos dos povos aos quais o repórter representava. enquanto colocava os adornos pensou: "ah, isso me cansa. por que eles têm que ser tão míticos e fazer imagens do que eu tenho que me parecer?". ao terminar a produção deu uma última olhada em direção ao espelho para ver se não havia esquecido de qualquer detalhe, esquecer algo seria imperdoável para alguém em sua posição. checou os minutos, "meia hora era um bom tempo de chá de cadeira." ele pensou, suspirou fundo e saiu de seu aposento.

antes de entrar na sala preparada para a entrevista ajustou impacientemente os controles para os efeitos de fogo e som, esses detalhes o estavam irritando mais do que o habitual, era evidente para ele que já estava cansando daquela vida. ao terminar de configurar a intensidade de luz e música olhou em volta. um súdito o fitava com ar de compaixão e admiração. ao notar o olhar do rapaz retomou sua altivez digna de ser o maior e melhor daquele castelo. checou novamente os controles, estava tudo pronto. colocou-se ante à porta, sua postura chegara ao máximo de altivez e respeito que era possível, a mesma altivez que o colocou na posição hierárquica que ocupava. pôs a mão na maçaneta e abriu a porta.

logo que a grande porta ricamente trabalhada e envernizada se distanciou do batente houve um show de luzes; a chama das velas ficaram mais fortes, bruxelavam graciosamente e emanavam luz jamais imaginável ser provinda de velas e não holofotes vermelhos e amarelos; violinos e violoncelos começaram a tocar numa virtuosa composição clássica e grave, que nunca fora ouvida fora daquela sala, como se aquela área tivesse sido composta somente para aquela ocasião.

o repórter se encolheu na poltrona ao ver o tamanho do ser que adentrara a sala. era muito alto, forte, com postura imponente como a de um rei, vestido com um manto de veludo vermelho com detalhes pretos e prateados que seria digno de um papa e trajava, também, calças que não eram muito chamativas. mas o aspecto amedrontador não vinha das roupas que usava, vinha de sua postura intimidadora como a de alguém que com um aceno simples de uma das mãos é capaz de condenar alguém à morte.

o repórter fez menção em se levantar quando ele se aproximou da poltorna em que estava sentado, mas ele simplesmente olhou para o repórter com um olhar de piedade e se sentou em sua poltrona. no mesmo instante, um vassalo lhe serviu alguma bebida viscosa em sua taça. bebeu um gole, com um aceno fez a luz voltar ao normal e a música ficar num volume agradável até mesmo para uma conversa entre reis. ele olhou novamente para o repórter, dessa vez com um pouco menos de piedade, e disse:

"estou aqui, a entrevista pode começar."



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continua em: a entrevista parte II