28.1.09

a história do homem que pensou demais

e ele foi concebido.
a genética falou para ele que deveria ter dois braços, duas pernas, um tronco, uma cabeça e órgãos para preencher todo o espaço.
e ele nasceu.
e o mundo disse que ele deveria amar seus pais incondicionalmente.
e ele pensou.
quem são essas pessoas estranhas aqui com essas caras de idiota?
e ele descobriu.
aquelas pessoas com cara de idiota eram seus pais.
e ele aprendeu.
aprendeu a andar, a falar, a ler, a escrever e amar seus pais incondicionalmente.
e ele cresceu.
e o mundo mandou que ele fosse "homem macho", que formasse uma família, que tivesse filhos e que fosse radiantemente feliz.
e ele acreditou.
e o mundo mandou que ele acreditasse em deus, em jesus, nos apóstolos, na virgindade de maria e que ele estava aqui por algum propósito.
e ele foi à igreja.
e o padre mandou que continuasse acreditando em deus, que continuasse sendo "homem macho", que continuasse casado e que continuasse feliz.
e ele trabalhou.
e trabalhou e trabalhou e trabalhou, a sociedade mandou que ele fosse consumista e que nada era o suficiente.
e ele quis mais.
ficou rico, continuou sendo "homem macho", continuou com a família, com deus e com a felicidade.
e ele se aposentou.
finalmente tinha mais tempo para dedicar às coisas que gostava.
e ele pensou.
e indagou a existência de deus.
e ele pensou.
e indagou o motivo de estar casado e ter tido filhos.
e ele pensou.
e indagou o porquê de ser "homem macho".
e ele pensou.
e indagou sobre o dinheiro e o consumismo.
e ele se deprimiu.
estava cansado de sempre ser o que ele deveria ser.
e ele se matou.
resolveu descobrir sozinho o motivo das coisas.

27.1.09

fim

tudo termina. absolutamente tudo. comida, ar, água, inteligência, relacionamentos, vida, cigarros, bebidas... tudo. e o fim é mais importante que o começo, para todas as coisas.

o fim significa o término de determinada ação ou período e o começo de outro. você já se indagou do que seria da vida se ela não tivesse fim? já parou pra pensar como o mundo seria se nada terminasse? ninguém valorizaria nada, o fim dá valor às coisas. você só dá valor à vida porque sabe que um dia ela vai acabar, se não, você faria realmente tudo que você quer fazer sem maiores problemas, afinal, não terminaria de forma alguma mesmo. e aquela sua música preferida? aquela mesmo que você já desejou que ela nunca terminasse. se ela não terminasse nunca você a odiaria. fins são necessários.

e aquelas situações em que o fim não está explicito ou que não se sabe se o fim chegou? você se sente à vontade? você consegue viver sem saber se terminou ou não? é mais fácil quando termina. mais fácil para seguir em frente, mais fácil para conseguir outra coisa, mais fácil para tudo.

há de se concordar que existem fins e fins. fins que são bons, fins que são ruins, fins que não tem relevância alguma... fins ruins são irritantes e problemáticos. mas se alguma situação o levou para um fim ruim, isso quer dizer que ou você gostava muito do que acabou ou era algo que lhe ferrou de tal forma que você ficou ainda mais ferrado. mesmo nessas situações o fim é bem vindo, para pelo menos uma das partes envolvidas.

o fim é a única coisa certa da vida. não só o fim da vida, mas o fim como um todo. absolutamente tudo que você começar, um dia vai terminar. seja por vontade sua, vontade dos outros ou vontade da sua vida terminar por si própria.

o fim geralmente é mal compreendido, tido como algo ruim. mas quase ninguém realmente presta atenção na sua necessidade. imagina todas as coisas do mundo sem um fim? não haveria como viver assim. se o fim é algo tão presente na vida, por que ainda há problemas com ele? já foi provado que ele é absolutamente necessário, qual o problema em se lidar com ele?

qual o problema em se lidar com uma vida que acaba? qual o problema em se lidar com uma situação que se acaba e outra começa? quando se aprende a lidar com o fim a vida fica mais fácil. é necessário para que se consiga viver de forma mais confortável.

o fim é seu amigo, não o repudie.

24.1.09

a menina doente

era uma vez uma menina doente. ninguém sabia qual doença ela tinha ao certo, se era uma doença psicológica ou uma doença real e bem mortífera. ela sempre falava sobre a doença como se ela fosse real, sem maiores problemas, e vivia sua vida como se não tivesse doença alguma - nem mental nem real.

seus amigos ficaram abalados ao saber da notícia sobre a enfermidade. todos ficaram preocupados e tentaram ajudá-la em todas as formas possíveis, a chamando para sair para se distrair e se divertir, atendendo ao telefone altas horas da madrugada para ela ter com quem conversar, não declinaram convite algum para qualquer coisa que ela os convidasse, sempre acreditando que ela teria somente mais um ano de vida. queriam aproveitar sua companhia ao máximo.

eis que, um dia, ela bebeu demais e passou mal. teve alucinações, viu gente morta, parou de sentir partes do corpo, vomitou, sangrou, ficou sem ar, e seus amigos lá, tentando ajudá-la. tentaram ligar para o resgate, que se negou a comparecer. ficaram lá, sem saber o que fazer com sua amiga alucinando.

enquanto ela passava mal, sua mãe a ligou para saber como ela estava. afinal, ela tinha uma filha doente que precisava de atenção constante. uma amiga dela atendeu o telefone e falou que sua amiga estava dormindo. a mãe pediu para falar com a filha. o telefone foi levado para a moribunda.

a moribunda que estava vendo gente morta voltou à realidade em um segundo e falou com sua mãe como se ela não fosse o garotinho do sexto sentido. desligou o telefone, ficou bem por algum tempo e começou a ver gente morta novamente até adormecer.

quando adormeceu, seus amigos saíram do quarto para dar-lhe privacidade e descansarem, era uma situação um tanto amedrontadora para eles. estavam acostumados com bêbados normais, não bêbados que viam gente morta e deixavam de sentir partes do corpo.

enquanto todos estavam tentando se divertir um pouco, um dos amigos foi dormir na mesma cama que ela. quando uma das amigas dela foi lá ver se ela estava bem e respirando, ela nota seus dois amigos se agarrando em vias de começarem a fornicar em sua cama. ela ficou brava, expulsou o amigo do quarto e se indagou se ela estaria doente mesmo ou não. porque, de uma hora para outra, parar de ver gente morta e começar a sentir todas as partes do corpo novamente é algo bem suspeito.

a suspeita foi dividida entre seus amigos mais próximos e todos começaram a se indagar sobre os ocorridos daquela noite. estaria ou não realmente doente a amiga deles? chegaram à conclusão que doente ela estava, só não sabiam se era uma doença psicológica ou uma doença real. depois do quase sexo com um amigo ela perdeu um tanto de sua credibilidade e se prontificou a mostrar que estava realmente doente. começou a sangrar em uma parte do corpo em que ninguém poderia ver, fumou um cigarro e dormiu de novo.

alguns de seus amigos tiveram que ficar acordados porque não havia lugar para eles dormirem. ficaram conversando sobre muitas coisas até altas horas da manhã. então ela acordou, se despediu, se desculpou e foi embora. seus amigos passaram a ignorá-la para não brigarem com ela nem indagá-la sobre a realidade de sua doença.

ela ficou magoada, seus amigos ficaram magoados. eles não têm conversado com ela, ela tenta conversar com eles. nada foi explicado e provavelmente perderam uma amizade. e viveram felizes para sempre. alguns mais para sempre que os outros, há de se dizer.

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essa é uma história de ficção, qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.

minúsculas

comumente sou indagada pela ausência de letras maiúsculas nos meus textos, crônicas, contos, divagações... não as uso, simplesmente. não tenho nada contra as maiúsculas, acho que elas têm necessidade de existirem, mas não como todos usam. 

quando alfabetizanda, a tia regina me falou que as maiúsculas serviam para nomes próprios e começo de períodos. muito bem, pensei eu, letras para diferenciar nomes estranhos de palavras normais. quando aprendiz eterna de inglês fui ensinada que além de nomes próprios letras maiúsculas viriam em todos os dias da semana, meses, viria também na palavra "eu" e em nacionalidades e línguas. achei idiota. quando instrutora de inglês ensinei que letras maiúsculas deveriam ser empregadas nos casos descritos acima. e continuei achando idiota. quando indagada por meus pupilos pela necessidade do emprego da maiúscula expliquei que era por frescura dos ingleses. povo fresco. 

em todos esses casos eu considero as maiúsculas dispensáveis. não me importo com quem as usa, mas eu não o faria o. uma porque eu teria que usar mais dedos ao escrever pela necessidade de apertar o shift para fazer uma letra maiúscula. e pra quem digita muito como eu e tem problemas de tendinite, quanto menos esforço melhor. pronto. aboli as maiúsculas dos programas de troca de mensagens, isso na época do icq ainda. daí para ser abolida nos e-mails foi um pulo. quando blogs deram um boom no brasil, lá para o fim de 2002 começo de 2003, eu já não usava maiúsculas. 

não gosto de ter que apertar o shift toda hora, e sou uma pessoa que escreve muitos períodos, muitas vezes prefiro um ponto final à uma vírgula. por isso que a única ocasião que eu uso letras maiúsculas no começo de palavras é quando tenho a necessidade irrefutável de ser formal (o que geralmente tento evitar). 

apesar de não ser uma fã enorme dessas vertentes das letras minúsculas, acho importante que elas existam. utilizo maiúsculas com certa frequência para aumentar a intensidade de alguma palavra, para demonstrar irritação, surpresa e afins quando é necessário que me expresse por meio de palavras escritas. nessa parte as maiúsculas são BEM importantes. 

ao escrever essa crônica me indaguei se quando o livro que escreverei estiver por vir o publicarei com maiúsculas ou minúsculas. não me decidi ainda. existe um grande preconceito à falta de letras capitais, quando estiver para ser publicado me preocuparei com isso. 

no mais, vamos abolir as maiúsculas do começo de períodos e de nomes próprios e de siglas e de dias da semana e de meses e da palavra eu e de nacionalidades e de línguas. 

é mais legal escrever só com minúsculas.

15.1.09

final feliz

palavra da escritora:
duvido que esse conto seja lido até o final. demorou quase um mês para ficar pronto desde o conceito original até o final da produção, já que esse é o conto que tinha vontade própria que foi falado anteriormente.

no mais, deleite-se. aqui está:




ela estava apaixonada. apaixonada como uma garotinha de 13 anos se apaixona pelo professor bonitão. a diferença é que não era um professor e ela há muito tempo não tinha mais treze anos.

não era uma mulher bonita, tampouco atraente para os padrões normais. mas ela tinha algo, algo que nem ela sabia o que era, mas esse algo fazia toda a diferença. e ela estava apaixonada. pela sua chefe. isso mesmo, querido leitor, ela estava apaixonada por uma mulher e essa mulher era sua superior no trabalho.

o trabalho não tinha nada demais, não era um super trabalho, não trabalhava em uma super empresa e nem tinha uma super posição. simplesmente trabalhava porque havia de trabalhar. até gostava de seu trabalho, estava feliz em sua posição, era superior a algumas pessoas, mandava aqui e ali, mas não era nada comparado à chefe. a chefe era linda. educada. líder. tudo que ela queria.

o maior problema em ser homossexual, segundo ela, é que fica muito mais difícil a arte da conquista. complica porque até se ter certeza de que a outra parte é partidária da mesma idéia leva tempo. daí até saber se está disponível e tudo mais, meses são desperdiçadas em prol de uma única pessoa que provavelmente nem é tudo isso. meses de trabalho árduo gastos. mas ela acreditava que a chefe valeria a pena.

o problema da nossa colega é que sempre que ela colocava alguma coisa na cabeça, ela só parava quando conseguia. e era isso que ela ia fazer. tinha o agravante dela ser sua chefe, o que complica tudo, mas ela estava disposta a perder o emprego, se assim fosse necessário. estava disposta a tudo. ela sabia que a chefe era a mulher de sua vida.

bolou um plano e o colocou em prática. não tinha pressa, sabia dos meses necessários para ser bem sucedida. nas primeiras semanas foi a funcionária mais produtiva que pôde ser. tudo isso para ser notada e receber elogios. seus colegas de trabalho acharam que ela queria somente uma promoção, que acabou vindo no final daquele mês. na nova posição ela trabalharia em contato constante com sua chefe. assim, poderia analisar melhor seu jeito e descobrir se a chefe tinha os pré-requisitos necessários.

a promoção foi muito produtiva, além de ter um salário maior, conseguiu descobrir muitas coisas interessantes. as duas partilhavam de um gosto musical parecidíssimo, o que é raro de acontecer com ela, porque ela gosta de músicas estranhas e não usuais.

descobriu o gosto musical semelhante em uma ocasião que a chefe estava numa reunião e tinha a sala toda só pra ela. ela colocou música para tocar e a chefe, quando adentrou a sala, ao invés de ficar brava por sua funcionária estar ouvindo música durante o período de trabalho, - o que era terminantemente proibido na empresa - ficou olhando fixamente para ela. ela estava compenetrada revisando um relatório e nem notou a presença de sua superior no recinto.

passados alguns poucos minutos ela terminou a revisão e levantou os olhos do monitor. vislumbrou a chefe - que estava lindíssima naquele dia - olhando para ela fixamente com um semblante do tipo "não acredito nisso!". ela ficou assustada, afinal, estava infringindo leis da empresa. quando começou a tentar se desculpar a chefe falou:

"não acredito que você conhece essa banda!"

ela ficou extasiada. jamais pensou que seria com música a forma de se aproximar da intimidade da chefe. ela tentou se desculpar mais uma vez, mas a chefe falou para ela parar de se desculpar, porque o fato de ela ter um bom gosto musical invalidava a infração da regra.

naquele dia elas almoçaram juntas, a convite da chefe. e ela usou as seguintes palavras para o convite: "ei, vamos almoçar juntas hoje? pra gente ter mais liberdade pra conversar, sabe?". essas palavras soaram como um gongo daqueles programas de televisão quando alguém ganha o prêmio máximo na cabeça dela. ela não acreditava na última frase, o que exatamente "pra gente ter mais liberdade, sabe?" significava? nos instantes que se passaram entre a pergunta e a resposta ela se acalmou e tentou dar uma resposta casual, sem muita excitação, afinal, um tom errado na voz poderia por tudo a perder. e ela aceitou, logicamente.

no almoço tudo correu muito bem. ela nunca havia pensado que ter lido o livro de etiqueta da gloria kalil enquanto esperava um amigo fosse servir de algo em sua vida. a chefe, como ela esperava, era uma mulher educadíssima e requintada que a levou a um restaurante que disponibilizava mais talheres na mesa do que comida no prato, como se isso pudesse justificar o preço exorbitante das refeições. logo que o maître as levou para a mesa e se sentaram, a chefe falou para ela não se preocupar com a conta, que seria dela. ela tentou contra argumentar, mas a chefe mudou de assunto como se falasse "aqui é caro pra caralho, eu te trouxe aqui, eu pago.". ela ainda a ajudou a escolher a comida, perguntando primeiro que tipo de coisa ela gostava ou deixava de gostar. nessa breve conversa descobriram muitos pontos similares no paladar das duas. quando o maître voltou, a chefe pediu o mesmo prato para as duas, sem perguntar se sua subordinada queria aquele prato mesmo. logo que o maître se retirou, ela deu uma piscadela com o olho direito e sorrindo disse:

"não se preocupe, tenho certeza que você vai gostar."

conversaram mais um pouco sobre música e descobriram que tinham muitos gostos em comum o que era muito incomum, musicalmente falando. quando estavam começando a falar sobre suas vidas pessoais, os pratos foram servidos.

ao colocar a primeira porção de comida na boca, ela fechou os olhos e mastigou suave e calmamente, como se aquele fosse o melhor sabor que já sentira em sua vida. a chefe contemplou o tempo todo e, depois que sua companhia terminou de apreciar o gosto, sorriu e disse:

"eu tinha certeza!"

ela deu um meio sorriso encabulado e tentou mudar de assunto. conversaram durante toda a refeição. descobriram que tinham gostos comuns não só com música, mas com cinema, artes, estilo de vida e também pensavam de forma parecida. quando a conta foi levada à mesa, ela sugeriu à sua chefe para dividirem. a chefe, por sua vez, abriu sua bolsa, tirou o cartão da carteira e chamou o maître, como se sua acompanhante não houvesse falado uma única palavra.

voltaram ao trabalho e trabalharam normalmente até o fim do expediente. ao se despedirem com um abraço e um beijo no rosto, a chefe falou:

"ei, vamos fazer de novo, qualquer dia desses."

ao voltar para casa, ela percebeu que estava mais apaixonada ainda. apaixonada do tipo que sai correndo e dançando na chuva no meio do engarrafamento. ainda bem que não estava chovendo. foi difícil para ela dormir naquela noite. ficou pensando em cada assunto que foi tratado durante o almoço, em como a chefe, que além de lindíssima e inteligente, era uma pessoa interessantíssima e amigável. dormiu poucas horas aquela noite. fez questão de acordar mais cedo para fazer uma super produção visual para impressionar.

ela fez isso durante duas semanas, conseguiu ser a funcionária mais produtiva que a chefe tivera o prazer de ter por perto, e isso foram palavras da própria superior. na quarta-feira da terceira semana depois do almoço, ela convidou a chefe para uma peça de teatro, que seria apresentada em um teatro perto da empresa, na sexta-feira. a chefe declinou o convite alegando que tinha que se encontrar com uma amiga na sexta-feira para resolver algumas coisas, mas que se a oferta valesse para sábado também, ela iria com todo gosto.

combinaram para sábado. combinaram também que iriam em um carro só, já que a cidade em que viviam tinha um trânsito caótico. ela passaria no apartamento da chefe e a pegaria e iriam juntas, no carro dela, para o teatro. ela gostou da idéia, isso daria a algum controle, já que no almoço, a chefe controlou tudo.

até sábado chegar, ela ficou pensando desesperadamente no que a chefe tinha para resolver com a amiga. e que amiga era essa? será que era só uma amiga mesmo? não seria, talvez, uma namorada? porque amigas, amigas, não têm coisas para resolver. e se tiverem, não deve ser grande coisa que não possa esperar uma peça de teatro acabar. pensou tanto sobre isso que decidiu não pensar mais, ia enlouquecer se continuasse pensando sobre a amiga e as coisas a serem resolvidas. mas ela não se esquecia da falta de qualquer anel ou adorno que as pessoas geralmente adotam para dizer que tem alguém em suas vidas e não estão disponíveis.

na sexta-feira elas trocaram telefones, para avisar caso houvesse qualquer imprevisto. todo o plano já estava bolado na cabeça dela. ela passaria pela casa da chefe, a pegaria, iriam ao teatro como combinado e depois ela sugeriria um jantar, já que provavelmente estariam com fome. o fato de ser ela quem estaria dirigindo a deu confiança suficiente para que ela conseguisse fazer o que ela queria fazer. ela não esperava nenhum beijo e muito menos sexo para aquela noite. ela gostava de envolver aos poucos, sem que a felizarda notasse e ela fazia questão de a felizarda só notar quando já estivesse apaixonada. agora que ela era mais madura essa técnica já estava muito bem apurada, já que nunca, jamais, em sua vida garota alguma havia tomado iniciativa em relação a ela, sem ser depois de todo o envolvimento psico-amoroso previamente feito.

e sábado chegou. ela acordou tarde aquela manhã, às onze horas. tomou um café da manhã leve, se vestiu e foi lavar o carro. ela era uma daquelas pessoas que nunca paga para alguém fazer o que ela mesma pode fazer. lavou o carro, limpou a parte de dentro, tirou todo o lixo que se acumulava há meses embaixo dos bancos, aspirou, achou algumas coisas que ela considerava perdidas para sempre, terminou de lavar o carro, guardou as coisas e olhou o relógio. faltava ainda muito tempo para o encontro, que fora marcado para às seis horas. ela tinha que conseguir alguma forma para fazer o tempo passar. só começaria a se preparar às três e meia e ela tinha uma hora e meia para que as três e meia chegasse. decidiu gravar um cd, como se fosse trilha sonora de fundo de filme, para que fosse tocado no carro enquanto elas estivessem nele. já que foi com música que elas se aproximaram, seria com música novamente desta vez. depois de conseguir a trilha sonora perfeita, ela testou o cd e estava tudo mais que perfeito. quando olhou para o relógio, era hora de começar a se preparar. naquele dia ela havia decidido que se vestiria de forma diferente do que ela fazia para trabalhar, afinal, aquele não era um encontro de trabalho. tomou banho, escolheu as roupas, se vestiu, ajeitou o cabelo, deu uma olhada no espelho para ver se estava tudo do jeito que ela queria, pegou o cd, as chaves e saiu para a casa da chefe.

dirigiu com calma, paciente e cautelosamente. aproveitando o momento de toda expectativa e ansiedade tão pertinente a momentos como esse. chegou cinco minutos mais cedo da hora programada. estacionou o carro, abriu o vidro, acendeu um cigarro e ficou esperando os minutos se passarem. afinal, o encontro era para as seis horas, ela deveria chegar às seis horas, não cinco minutos antes. quando, finalmente, chegou a hora, ela pegou o celular e ligou para a chefe avisando que já estava lá. até a chefe descer e se dirigir ao carro, o cigarro já tinha acabado e ela já havia colocado o cd com a trilha sonora para tocar. logo que a chefe entrou no carro ela exclamou:

"nossa, eu adoro essa música! como que você consegue colocar as músicas que eu mais gosto para tocar se praticamente ninguém por aqui conhece essas coisas?!"

ela deu um sorriso que era para aparentar que ela estava feliz que a chefe partilhasse do mesmo gosto musical mas que na verdade era um sorriso vencedor. naquela hora ela teve a mais pura certeza que ela conseguiria o que ela queria. no caminho conversaram sobre várias coisas, até que ela perguntou se o encontro na noite anterior servira de alguma forma para resolver as coisas com a amiga. nessa hora, a chefe ficou vermelha. ela respirou por alguns instantes como se ponderasse se deveria revelar a informação sigilosa ou não. então ela se virou para a subordinada e falou:

"bem, não estamos no trabalho, não é?"

exatamente nesse momento, o sinal de trânsito fechou. ela virou e olhou a chefe nos olhos. e a chefe continuou seu discurso:

"considero você uma pessoa educada e que pensa de forma diferente, então eu suponho que não seja lá grande coisa o que aconteceu ontem comigo e com a minha amiga. mas vou ser sincera com você, ela não é minha amiga, é minha ex-namorada. e virou minha ex-namorada ontem."

enquanto a chefe se expunha para ela de maneira que jamais faria para qualquer colega de trabalho, ela sorriu e arrancou com o carro, já que o sinal havia aberto. e logo depois disso, tentando parecer nem um pouco extasiada pela informação recém adquirida - o que foi muito difícil para ela, caro leitor, já que se fôssemos analisar como ela estava por dentro veríamos algo como todos os fogos de artifício que são estourados em todas as partes do mundo em viradas de ano juntos dentro dela -, disse:

"se não for me intrometer demais e se você estiver disposta a falar, por que ela virou sua ex-namorada ontem?"

e a chefe replicou:
"ah, porque não estava mais funcionando, e eu acabei me interessando por outra pessoa."

a última frase foi como um soco no estômago - foi como ter todos os fogos de artifício que são estourados em todas as partes do mundo em viradas de ano vindo em sua direção e só parando quando terminassem de te matar queimado três vezes. ela se perguntava quem seria a outra pessoa, que raios a outra pessoa tinha e ela não, se a chefe conhecia a outra pessoa há muito tempo ou não. enquanto estava imersa nesses pensamentos, o que não durou pouco tempo, a chefe contemplava o pôr do sol e começou a se sentir incomodada com a situação, afinal, ela havia acabado de contar o segredo que ela jamais contara a um colega de trabalho e não houvera reação sequer à informação, então, ela perguntou:

"você está tão quieta, está tudo bem?"

ao ouvir essas palavras, ela despertou de sua mente e disse que estava tudo perfeitamente bem. e voltou a falar sobre música com a chefe para tentar disfarçar seus pensamentos. chegaram ao teatro, depois que o carro foi estacionado, um pouco longe do teatro, questão de uma quadra, elas saíram e começaram a andar em direção ao teatro. logo ao sair do carro, ela notou como a chefe estava vestida. não era nada parecido com o que ela costumava vestir no trabalho, era um estilo diferente, único, mas tão ou mais lindo em relação ao modo que ela se vestia no trabalho. e a chefe notou o olhar, já que ela estava fazendo e pensando exatamente a mesma coisa com a companhia da noite.

chegaram ao teatro, entraram na fila da bilheteria - e ela fez questão de deixar claro para a chefe que ela não estaria no controle aquela noite. ela não iria acatar ordem alguma e seria ela quem daria as ordens na ocasião, não sua superior no trabalho -, e ela pediu as entradas e as pagou. e elas foram para dentro do salão onde o espetáculo seria exibido. ela sugeriu os lugares à chefe, terceira fileira, no meio, para não ficar longe demais nem ficarem molhadas por causa dos cuspes dos atores. assistiram à peça, aplaudiram, olharam as horas quando o espetáculo terminou e já era nove horas. a chefe estava faminta, mas se negou a dizer qualquer coisa porque era uma pessoa educada demais para tentar tomar o controle da situação quando já fora deixado claro que ela não controlaria coisa alguma aquela noite.

enquanto andavam para o carro, ela sugeriu à chefe que jantassem. ela estava faminta, o dia inteiro só comera um café da manhã leve. perguntou à chefe o que ela gostaria de comer. a chefe respondeu:

"eu não sei, me surpreenda. você já sabe dos meus gostos por comida."

ela não tinha planejado essa parte. esperava que a chefe sugeriria algum restaurante. ela não conhecia restaurante algum que fosse sofisticado ao gosto da chefe. ao entrar no carro e dar partida no motor, ela tomou uma decisão. já que se fosse para a chefe gostar dela, a superior haveria de gostar por quem ela é, não por quem ela parece ser. então, ela resolveu levar a chefe para seu restaurante favorito, que não era requintado mas a comida era das melhores.

enquanto estavam saindo com o carro, ela avisou à chefe que o restaurante que ela tinha em mente era um pouco longe, se ela não se importasse, lá era o destino. a chefe, polidamente, respondeu:

"sem problemas, assim a gente tem mais tempo para conversar."

e sorriu. o sorriso dela era tão bonito! era aquele tipo de sorriso que captura almas sem que fosse percebido. o sorriso dela tinha o poder de capturar almas e subjugá-las segundo sua própria vontade. e a chefe sabia do poder de seu sorriso. logo depois de sorrir, ela falou:

"eu falei bastante de mim, mas você não falou nada de você. conta da sua vida, você tem namorado? mora sozinha?"

ela ficou lisonjeada por tal interesse da chefe. ela jamais pensaria que a chefe gostaria de saber sobre sua vida. respondeu que morava sozinha, que o apartamento dela não era lá grandes coisas e que não tinha namorado, e jamais tivera. a chefe ficou atordoada, nunca teve um namorado? ela foi obrigada a perguntar:

"nossa, nunca teve um namorado? mesmo??"

ela começou a dar risada. ela jamais havia pensado que a orientação sexual dela não estivesse na testa dela como letreiros néon em portas de prostíbulos. e explicou que namorado, com o no final, não tivera nenhum, mas namoradas, algumas. adicionou, também, que no momento estava solteira.

a chefe sorriu novamente. e exclamou, quase sussurrando, "eu sabia!". a partir daí a conversa fluiu sem maiores problemas ou fatos notáveis, conversaram sobre a saída do armário para família, primeiras paixões, coisas do tipo. e chegaram ao restaurante.

vale a pena falar sobre esse restaurante, querido leitor. ela havia levado a chefe para o restaurante que ela carinhosamente apelidara de "o lugar do abate". o restaurante tinha uma aura diferente dos outros restaurantes. era pequeno e aconchegante. com luz fraca, meio amarelada, meio avermelhada. a luz contrastava brilhantemente com a decoração, que era um tanto minimalista, alguns néons brilhantes de marcas de cigarro, mobília muito aconchegante que parecia ter sido comprada de terceira mão, música ambiente regada a blues e jazz, não tinha maître, o menu era rústico, aqueles feitos com papel reciclado e um tom de humor nos nomes dos pratos.

ela perguntou à chefe o que ela gostaria de beber, ela beberia refrigerante, uma vez que estava dirigindo. a chefe, educadamente, perguntou se ela se importava se bebesse algo alcoólico. a subordinada deixou que ela ficasse à vontade para beber o que quisesse. e a superior escolheu whiskey, com gelo.

chamou a garçonete, pediu dois pratos diferentes, um refrigerante para ela e o whiskey da chefe. a chefe tentou balbuciar alguma palavra depois que a garçonete se retirou, mas ela fez a mesma coisa que a chefe fizera no almoço que as duas partilharam. deu uma piscadela com o olho direito e falou:

"não se preocupe, tenho certeza que você vai gostar."

as duas acenderam seus cigarros para esperar a comida chegar e continuaram conversando sobre os assuntos mais esdrúxulos do mundo. as bebidas chegaram, conversaram sobre bebidas e descobriram que tinham gostos muito similares também sobre álcool. conversaram sobre os porres tomados na adolescência e a comida chegou.

a chefe, ao colocar a primeira porção na boca, exclamou ainda com a boca cheia:

"puta merda! que comida boa!"

ao ver o rosto de surpresa de sua acompanhante, a chefe terminou de mastigar e disse:

"desculpe, deixei a educação em casa agora, aliás, aqui é tão aconchegante que parece que eu estou em casa."

a subordinada só sorriu. era bom ver como a chefe era de verdade. e perceber que ela era exatamente como ela previra que seria. e estava cada vez mais apaixonada. ela tinha imensa vontade de jogar a mesa para o lado e agarrar a chefe naquele exato momento, mas ela respirou fundo para não arruinar seus planos.

conversaram, comeram, pediram a conta. quando a chefe fez menção de pegar a bolsa, a subordinada não a deixou ver a conta e a pagou. levantaram-se e andaram em direção ao carro. andaram devagar, mais próximas, como se quisessem dar as mãos, que chegaram a se esbarrar algumas vezes, e entraram no carro.

no caminho de volta, a chefe começou a dizer aquelas coisas típicas de chefes que começam a se envolver com funcionários. a subordinada a interrompeu e falou para que ela não se preocupasse. enquanto elas não chegavam a casa da chefe, conversaram um pouco mais, sobre qualquer assunto. elas não paravam de falar um minuto sequer.

ao chegarem ao apartamento da chefe, enquanto se despediam, a chefe falou:

"adorei a noite. muito obrigada. você é mais especial do que eu pensava."

ela ficou encabuladíssima com as palavras da chefe. não sabia o que responder, a sorte dela é que antes que ela chegasse a uma resposta, a chefe beijou sua bochecha direita e a abraçou. saiu do carro e se dirigiu à portaria. quando a chefe já tinha entrado, ela ligou o carro, trocou de cd, aumentou o volume do rádio e saiu cantando em alto volume "we are the champions" do queen. quem visse a cena de fora, acharia que ela estava louca, no mínimo. o que aquela noite teria de tão especial assim?

voltou para casa, foi direto pra cama, acendeu um cigarro, ligou a tv e não conseguia acreditar na sua sorte. e também não parava de pensar sobre a tal pessoa que a chefe mencionara. seja quem fosse, se ela encontrasse na rua, ela a atropelaria. definitivamente atropelaria. deixaria em uma cadeira de rodas, no mínimo. e adormeceu. domingo passou sem maiores complicações.

segunda-feira. dia de trabalho. ela estava curiosa para saber como as coisas estariam no escritório. chegou, começou a trabalhar como de costume. a chefe chegou pouco depois. quando a chefe a viu, sorriu, não conseguiu se conter. ela, por sua vez, sorriu em resposta à chefe. aquilo era tudo que ela precisava. trabalharam normalmente aquele dia. trabalharam normalmente no dia seguinte. na verdade, trabalharam normalmente a semana toda. não almoçaram juntas, conversaram pouco. na sexta-feira a chefe perguntou o que ela ia fazer no fim de semana. ela, que não tinha planos, falou da ausência deles. continuaram trabalhando normalmente até o fim do expediente.

logo que ela entrou no carro, seu celular vibrou com uma mensagem de texto. a mensagem era da chefe e dizia: "se você não for fazer nada mesmo amanhã, passa lá em casa, tô com vontade de cozinhar.", ela respondeu a mensagem: "que horas?". enquanto estava dirigindo para casa, o celular vibrou novamente, ela aproveitou um sinal vermelho, pegou o celular e viu a mensagem: "quatro horas, pode ser?", como o sinal estava para abrir, ela respondeu: "marcado!".

toda aquela expectativa já descrita se instaurou nela. um pouco mais forte, devemos afirmar, mas nada que já não tenha sido descrito anteriormente. demorou para dormir, acordou relativamente cedo e fez todas as coisas que ela já havia feito anteriormente. terminou de fazer tudo que tinha para fazer, pegou as chaves do carro e foi para o apartamento da chefe. cerca de cinco minutos antes de chegar, ligou para a chefe avisando que estava chegando. afinal, ela não queria ser intrometida e que a chefe fosse avisada pelo porteiro que ela havia chegado.

chegou, estacionou o carro bem perto da guarita do porteiro e quando saiu do carro, se deparou com a chefe no portão a aguardando. elas sorriram uma para outra. e se cumprimentarem com um abraço. um abraço forte, quase de quebrar costelas. foram para o elevador, a chefe apertou o botão do último andar, ao notar o olhar da companhia a chefe falou:

"espera até você ver a vista."

chegaram ao andar, a chefe abriu a porta e falou para que ela se sentisse à vontade. logo ao fechar a porta, a chefe tirou os sapatos e comentou como detestava usar sapatos em casa. também comentou que se a subordinada quisesse tirar os sapatos, que ficasse livre.

ela não tirou os sapatos. a primeira coisa que ela notou no apartamento da chefe foi a janela. uma única janela, que tomava praticamente toda a parede da sala. a parede, na verdade, tinha menos de um metro de altura de ponta a ponta, o resto era janela, e a vista era incrivelmente linda. a sala era grande, espaçosa. a segunda coisa que ela notou foi que o apartamento da chefe não tinha corredores. a sala tinha três portas, uma do lado da outra, na parede esquerda à porta. logo em seguida ela notou a decoração. não era uma decoração peculiar, muito menos o que qualquer pessoa que trabalhasse com a chefe esperaria encontrar em sua casa. não havia sofá, não havia televisão, tampouco um móvel para a televisão. havia, porém, caixas de som embutidas nas paredes, mas elas seguiam o mesmo padrão de cor das paredes, o que as tornavam praticamente imperceptíveis se não fossem olhadas com atenção.

havia adesivos nas paredes, um que imitava um varal que ia de ponta a ponta na parede oposta às portas. todos os outros adesivos ficavam colados junto ao do varal, para dar a impressão de que estavam pendurados. depois de olhar para os adesivos por um tempo, ela notou o chão. tinha dois padrões de piso. um piso de madeira, que brilhava, e um piso que parecia um tatame um pouco elevado, como se fosse um pequeno tablado, que tinha muitas almofadas em cima e dava para algumas pessoas ficarem deitadas confortavelmente. e ele ficava na parede oposta a janela, perto da porta. havia uma parede, da mesma altura da parede da janela, com vidro até o teto. do lado oposto ao vidro, havia a cozinha. a decoração era um pouco diferente, todos os utensílios domésticos eram cinza, e contrastavam muito bem com a cor preta que tomava o chão e as pedras da pia e do balcão. o balcão dividia o espaço de três pessoas sentadas confortavelmente com a sala, o resto ficava perto da parede, parando só ao lado da geladeira. ao lado da geladeira havia uma porta. do outro lado da porta havia armários e mais utensílios da cozinha.

depois dessa analise que demorou alguns minutos, ela comentou o quanto havia achado legal e interessante a decoração adotada. a chefe agradeceu polidamente e a chamou para cozinha, elas estavam lá para cozinhar. antes de começarem propriamente, a chefe entrou pela porta que havia na cozinha e ligou o som. a música encheu todo o apartamento, já que havia caixas de som dispostas por todo o apartamento. quando voltou a chefe perguntou se a música estava muito alta, o que não era um fato proeminente, já que poderia se conversar com o tom de voz normal e mesmo assim conseguir ouvir os detalhes de cada música.

lavaram as mãos e a chefe começou a pegar os ingredientes. ao ser indagada sobre a falta de receita a chefe falou:

"receita? não, o legal de cozinhar é criar, as vezes sai uma merda, mas as vezes sai uma coisa magnífica. e o mais legal é que cada prato é único."

a chefe, de fato, era uma pessoa peculiar e um tanto quanto superior a ela. ela precisava de regras para coisas, a chefe fazia as próprias regras. isso era uma coisa admirável, ao ver da subordinada.

cozinharam em conjunto. ela fazia o que a chefe pedia para ela fazer, cada uma fazendo uma etapa diferente dos pratos. conversaram e se divertiram muito durante a produção culinária. produção essa que demorou mais ou menos duas horas. quando a comida já estava no estágio de esperar que fique pronta, a chefe foi mostrar o apartamento para a subordinada. voltaram para a sala, admiraram a vista um pouco e a chefe falou que aquele foi o motivo de ter comprado aquele apartamento e não outro maior e mais barato.

a chefe começou a mostrar o apartamento pela porta mais perto da cozinha. era um escritório, com decoração um tanto sóbria, as paredes repletas de prateleiras de madeira escura que estavam repletas de livros. havia todo o tipo de literatura presente. o piso era o mesmo que havia na sala, mas no escritório havia um tapete quadriculado em preto e branco que tomava a parede oposta à porta que vinha da sala. havia mais duas portas, uma que daria passagem para a cozinha, na parede à esquerda à porta que dava acesso à sala e outra, na parede à direita à porta da sala. defronte à passagem para a sala, havia uma mesa, com um computador e espaço suficiente para estudar ou ler algum livro confortavelmente. e uma janela logo acima dele com uma cortina pesada.

foram pela outra porta e chegaram ao banheiro. o banheiro era o menor cômodo da casa, retangular, havia uma porta que dava para a sala, outra para o escritório e outra para outro cômodo, era bem sóbrio também. os azulejos eram cinza escuro, o chão era de granito com detalhes prateados. todas as pedras eram cinza claro e havia uma banheira. havia espelhos perto da banheira, acima da pia e ao lado da porta que dava para sala. como o cômodo era relativamente pequeno para a quantidade e o tamanho das coisas as duas ficaram mais próximas, quase encostando uma na outra. a convidada ficou de costas para a dona da casa enquanto olhava para a banheira e tentava entender o mecanismo de hidromassagem, a chefe foi se aproximando. cada vez mais perto, tocava de leve as pontas dos cabelos da convidada com muito cuidado, para que não fosse notada, apurava seu olfato para conseguir distinguir a fragrância do perfume que emanava de sua convidada. quando já conseguia ouvir a respiração de sua convidada sem ter que fazer esforço algum ela falou:

"não aguento mais."

ao se virar para perguntar à chefe o que ela não aguentava mais, a convidada ficou frente a frente à chefe a uma distância muito pequena, apenas alguns centímetros. elas se olharam fixamente nos olhos por poucos segundos, sentiram a respiração uma da outra ficar mais forte. corações batendo mais rápido. mãos indo em direção aos corpos opostos. proximidade. mais proximidade ainda. corpos se encostando. olhos fechando. bocas se abrindo. bocas se encostando. o beijo.

a intensidade foi tamanha que derrubaram tudo que estava em cima da pia. a chefe deu um jeito de abrir a porta e foram para o quarto. caíram em cima da cama, que era muito macia e confortável, e continuaram a se beijar por bastante tempo, mas, para elas, esse tempo pareceu insuficientemente breve. só pararam quando sentiram um cheiro um tanto desagradável. pararam, se olharam e, depois de pensarem por alguns segundos, saíram correndo em direção à cozinha.

a comida havia carbonizado. o que antes viria a ser uma agradável e saborosa refeição acabou virando uma coisa estranha, preta e grudenta. a chefe ficou muito irritada, enquanto a convidada não parava de rir da situação. como sua superior no trabalho havia ficado muito nervosa, ela tentou acalmá-la. e conseguiu. sugeriu uma mudança repentina de planos para aquela noite e que cozinhassem outro dia. sugeriu que pedissem alguma coisa por telefone e assistissem algum filme ou alguma outra coisa que as mantivessem entretidas - como se elas não fossem entretenimento suficiente uma para a outra naquela altura dos fatos.

a sugestão foi acatada pela chefe. pediram comida indiana e a chefe preparou as coisas para o filme. a chefe era uma daquelas pessoas muito interessadas em eletrônicos e tecnologia, e isso refletia nos aparelhos eletrônicos em seu apartamento. para preparar o filme, pegou um controle remoto que baixou uma cortina-telão em frente à janela. era uma lona dupla face preta e branca que servia tanto de telão quanto de cortina para a sala. com outro clique do controle, um projetor saiu de sua toca, logo acima do lugar cheio de almofadas. a chefe chamou sua convidada para escolher o filme em uma lista vastíssima de títulos de todos os gostos. quinze minutos para escolha do filme, mais cinco para a comida chegar. estava tudo pronto.

enquanto comiam, ela conseguiu fazer a chefe esquecer a carbonização da comida, uma vez que tinha sido por um bom motivo, e as duas teriam que concordar com esse fato. comeram e se dirigiram à sala para assistir ao filme. colocaram-se junto às almofadas e o filme começou. e há de se comentar, caro leitor, o filme foi mais ouvido do que assistido. justamente por saber que isso ocorreria, a convidada escolhera um título que ela já conhecia. não, não, caro leitor, não aconteceu nada além de beijos adolescentes durante o filme. nem depois que ele terminou sem que elas percebessem. nós falamos de duas mulheres adultas que se respeitam, e não fariam nada impensado ou impulsivo demais. elas não se esqueciam que trabalhavam juntas.

depois que o filme e a energia das duas terminaram, elas combinaram de manter a discrição no trabalho, se despediram calorosamente por uma meia hora e a convidada saiu do apartamento, saiu do prédio e entrou no carro. estava feliz e apaixonada. diferentemente das outras ocasiões em que havia saído com a chefe, ela não ligou música alguma. foi quieta para casa, sem fazer alardes, aproveitando o jeito que se sentia, que não era algo muito recorrente em sua vida. outra coisa que correu de forma diferente foi que ela não demorou a dormir, não sonhou, nem nada do tipo. o resto do fim de semana ocorreu de forma casual.

no trabalho, a relação delas continuou sendo profissional. havia sorrisos aqui e ali, mas não era nada que outras pessoas pudessem perceber. trabalharam normalmente aquela semana. almoçaram juntas uma vez, sem fazer alarde no restaurante, nem nada do tipo. nesse almoço, a chefe foi convidada a ir à casa da subordinada no fim de semana para cozinharem, já que na última vez a comida havia estragado. o convite foi aceito.

gostaria de parar um pouco a história para falar com você, querido leitor, gostaria de fazer-lhe uma proposta. como no trabalho as duas se comportaram da mesma forma em que se comportavam antes do incidente com a música, podemos pular para a parte em que elas não estão trabalhando? sua resposta é positiva? obrigada, querido leitor.

na sexta-feira, depois do trabalho, ela ficou acordada até tarde limpando seu apartamento, pois a chefe viria no dia seguinte. ela nunca imaginara o quanto ela era desorganizada até aquela sexta-feira. achou mais um bom número de coisas que ela considerava perdidas para sempre. organizou tudo, arrumou seu quarto, organizou a cozinha, limpou a geladeira, limpou a sala, tirou pó de todos os livros, lavou as roupas, trocou as roupas de cama e, depois de considerar o trabalho terminado, passou um pente fino para ver se não esquecera de nada.

quando terminou o pente fino, resolveu se depilar e tomar banho. feito isso com o mesmo esmero que teve para limpar a casa, foi se deitar. considerando que ela fez tudo isso depois do horário de trabalho, podemos deduzir que ela foi dormir bem tarde.

no sábado, acordou com o telefone tocando. era a chefe avisando que estava chegando. em cinco minutos ela foi capaz de trocar de roupas, escovar os dentes, lavar o rosto, fingir que arrumou o cabelo, jogar o edredom por sobre a cama e descer para esperar a chefe na portaria, como havia sido feito com ela.

a chefe chegou e estava deslumbrante. se cumprimentaram com um abraço forte e entraram no elevador. nessa hora, ela explicou para a chefe que o apartamento dela não era grande coisa e que ela havia acabado de acordar. a chefe riu. quando chegaram ao apartamento, ao fecharem a porta, deram um beijo caloroso. e a dona da casa foi apresentar o humilde apartamento para a convidada. uma cozinha pequena sem nenhum atrativo que valha a pena ser mencionado, uma sala pequena, repleta de prateleiras baratas com muitos livros, com uma janela normal com vista para um prédio, um banheiro pequeno sem banheira e um quarto pequeno com armários embutidos em que cabia somente uma cama de casal e uma pequena escrivaninha.

depois de alguns beijos e apertões, foram cozinhar, em dupla como antes. seguiram uma receita e, dessa vez, se atentaram para o tempo de preparo para que nada fosse cozido em demasia. o almoço foi um sucesso. a comida estava melhor do que a de qualquer chef renomado internacionalmente. durante a tarde, as duas ficaram entretidas no laptop da dona da casa. a chefe conseguiu descobrir a vida inteira dela. viu fotos de quando era criança, olhou todas as músicas que ela tinha no computador - e fora dele também - viu todas as fotos de ex que estavam no computador, descobriu detalhes sobre elas, dos porquês de não ter funcionado, descobriu fatos sobre a família e mais algumas coisas. vale dizer que esse inquérito durou grande parte da tarde. as duas estavam cada vez mais próximas.

no fim da tarde começou a acontecer o que estava para acontecer desde o começo desse conto, querido leitor. não vale a pena entrar em detalhes, aliás, este não é um conto erótico, o que vale a pena dizer é que durou até altas horas da madrugada e que foi mágico, para as duas, e que quando já estavam muito cansadas, adormeceram juntas. logo antes de adormecer, a dona da casa pensou em acordar mais cedo que sua chefe e preparar-lhe um café da manhã e levá-lo na cama. teve sonhos leves, com razão, havia alguns meses que ela não dormira tão feliz como naquela madrugada.

ela demorou para abrir os olhos na manhã seguinte. havia acordado, mas decidiu abrir os olhos só depois de algum tempo, queria aproveitar aquele momento de consciência da realidade antes de deparar-se com ela. quando finalmente decidiu fazê-lo, se deparou com a cama vazia. sentou e olhou ao redor. pensou que a chefe poderia estar na cozinha preparando café da manhã para ela. levantou, notou a falta de roupas da chefe espalhadas pelo chão, foi até a cozinha. ninguém. na sala também não havia ninguém. sua última esperança era o banheiro. bateu na porta. ninguém respondeu. resolveu abrir a porta, ninguém. voltou para o quarto. sentou-se na cama. e notou na escrivaninha algumas centenas de reais.

7.1.09

oi

dar as caras por aqui é importante. o blog está abandonado, mas não a produção. estou escrevendo um conto que criou vida própria. ele sai a hora que ele quer, do jeito que ele quer. então não adianta que eu o pressione, ele é teimoso. não sei se isso é normal, mas é a primeira vez que acontece comigo e devo admitir que isso está me entretendo um bocado.

ainda não consegui descobrir se está bom ou se vai ser uma das piores coisas que já escrevi. só para não deixar de colocar nada novo, vou colocar um diálogo que escrevi anos atrás:


"feliz ano novo"
"já é março. "
"feliz ano novo. "
"mas já é março.... "
"e daí? feliz ano novo! "
"mas pô! feliz ano novo em março?!?!?"
"ué? uma hora eu tinha que dar feliz ano novo, concorda?"
"sim, sim.... mas em MARÇO????"
"qual-o-problema?"
"MARÇO?!?!?!?"
"amigo, março é só o mês número três. e fevereiro tem só 28 dias. logo, eu só estou 90 dias atrasado..."
"e 90 dias é pouco, colega?"
"dependendo do referencial é. tudo depende do referencial. por exemplo, eu posso estar MUITO adiantado pro ano que vem.... e aí o que você me diz?"
"março??"
"porra cara, você é chato pra caralho. a porra da merda do ano novo é meu, eu dou o cu do meu ano novo a hora que eu quiser!"
"nossa, tá... não era pra você ficar nervoso..."