28.10.09

f5

aí que o meu amigo praguejento fez a imagem nova do título para mim, já que não sou designer coisa alguma.

fora isso, sinto que devo certas explicações sobre a falta de atualizações esse mês: tenho três empregos e nenhum tempo livre. o tempo livre ou é para dormir ou sair com meus amiguinhos queridos. logo, quem sai perdendo é você - e eu (não pelos meus amiguinhos, mas por não exercitar as conexões neurais para não definhar na mediocridade).

minhas sinceras desculpas.

a avó do mundo

a viúva do senhor joão tinha tudo para ser uma ótima avó: cozinhava absolutamente bem, tinha um abraço bem gostoso, usava óculos, estava um pouco acima do peso indicado para sua altura, usava só vestidos - florais de preferência -, tinha um olhar bondoso e jovial... só que não tinha netos, nem filhos, nem idade para ter netos. por que seria então uma ótima avó?

a palavra viúva é relacionada a uma mulher velha, no fim da vida, mesmo que ela seja jovem. além disso, ela poderia ser uma ótima avó porque sempre estava disponível para ajudar quem quer que fosse com carinho e dedicação por puro prazer, exatamente como as avós fazem. era solitária na maior parte do tempo, as pessoas vinham para perto dela só quando precisavam de alguma coisa, infelizmente.

talvez as pessoas sabiam que ela não negaria ajuda a ninguém que precisasse, sua casa era praticamente um hospital para os sentimentos: "fui trocada", "ela me traiu", "ele é gay", "ele não me quer", "ninguém me ama... e a viúva do senhor joão sempre permanecia firme e forte para ajudar a todos os necessitados que vinham e iam em seus ritmos próprios, mas que sempre a deixavam sem ninguém para contar.

não que ninguém nunca tenha ficado, uma pessoa ficou: o senhor joão. este senhor era uma pessoa um tanto desequilibrada, há de se dizer. ele veio como outro qualquer que se amparava nas saias da então-não-viúva. ela o amparou, cuidou, ajudou, mostrou o caminho a se seguir... e ele seguiu, do lado dela. ele dizia que tudo que ele poderia fazer, ele faria melhor estando perto dela, já que a situação dele era irremediável. foi realmente uma história de amor bonita. os dois eram como os avós do mundo, o único porém é que a avó dividia metade de suas habilidades entre o senhor joão e o resto do mundo. viveram por alguns anos assim e felizes.

só que o mundo parecia que queria toda a atenção da viúva para si próprio, uma vez que o senhor joão deixou de existir muito cedo para os padrões da época. depois dele, ninguém mais quis permanecer perto da viúva, não que eles achassem que ela era amaldiçoada ou coisa assim, mas para que permanecer se ela sempre estava disponível quando precisavam dela?

a viúva ainda conseguiu ter alguns amores esporádicos para ela mesma, mas nenhum deles permanecia por muito tempo. talvez seja porque ela agisse como uma pessoa que pega gatos de rua para cuidar, depois de curados, vão-se e nunca mais voltam. e há de se dizer que ela tendenciava a se interessar pelos tais gatos de rua. não importava quais atributos ela poderia ter, eles eram sempre suprimidos pela razão necessidade X não necessidade dos gatos.

o fim da história é que a viúva do senhor joão, que não tinha netos, era a grande avó do mundo, ajudava a tudo e a todos e ficava solitária imaginando o que seria da vida dela se ela tivesse outro senhor joão ou uma família que lhe desse suporte e um terço do carinho que ela disponibilizava a quem quer que lhe pedisse.

20.10.09

paranóias também tem sentimentos

sintas intensamente: uma faca abrindo tuas entranhas e expondo em uma bandeja de prata tudo que existe aí. dói muito, absurdamente. dor latejante, pulsante, constante, cortante. é como se o próprio corpo rejeitasse a parte indigesta de si mesmo e a vomitasse sem maiores cerimônias. grotesco. um deslizar gracioso e ritmado de tripas imaginárias pelo chão, praticamente um espetáculo de ballet ou nado sincronizado.

por que? por que?! não é culpa de ninguém, nem minha, nem tua, nem de deus. é assim, não há escapatória: do ventre à sepultura e repetido incessantemente por toda eternidade. viver assim é perder a noção do tempo, um minuto é comparável a um ano que, por sua vez, é comparado à uma década, comparada a um século e assim sucessivamente enquanto houver números. é muito peso para aguentar sozinho, é muito peso para aguentar em conjunto, raios, é muito peso para aguentar com toda a humanidade!

ninguém. não há ninguém, nunca houve qualquer alma, nem a minha, nem a tua, nem a de deus. dói, incrivelmente, é o trabalho meticuloso e demorado de tortura. tudo é cortado, destrinchado, separado, feito da forma mais dolorosa possível, e quando se acha que não há mais pedaços grandes o suficiente para a prática, é tudo reagrupado como numa colcha de retalhos bem pequenos e é começado novamente - prática adotada diariamente.

que se corte, que se despedace, que se descabele, que se torture, que se queime com ácido... acostuma-te com a dor, acostuma-te com os sons aterrorizadores, acostuma-te com as risadas, as chacotas e as ironias, acostuma-te com tudo. ab-so-lu-ta-men-te tu-do. é o que profanam ao meio fio. que sabem eles? acham que sabem tudo sobre a dor por estarem no meio fio... tente o esgoto, tente embaixo do chão, tente no núcleo do universo! isso é dor. e, não, não dói mais aqui do que aí, não. não. não. dói muito, sempre, para sempre, eternamente.

não adianta pensar em alguma saída, não existe saída, não existem portas, não existem paredes. nada existe. não há motivos para procurar por ajuda, ninguém irá ajudar, só vão te usar, te sugar e te deixar por aí, no limbo. não, para que? não que te valhas muita coisa, mas o que fazem uns com os outros não há perdão, o que se suga uns dos outros não há limite. isola-te, paras com tudo, saias daí. não existe sinceridade, não existe amor, não existe carinho, não existe respeito.

não existo, sou uma paranóia criada por algum esquizofrênico. só se esquecem que paranóias também tem sentimentos.

"boa noite, meu anjo. você é quem sempre me faz sorrir. amo eternamente."



- dedicado àquela que me ensinou que sofrimento não tem limite.

16.10.09

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6.10.09

coleção sofrimento

sozinho, o resto do mundo está celebrando algo que não faz sentido algum. você consegue ouvir os fogos de artifício? e som do vômito alcançando a água que jazia parada no fundo da privada? ninguém por perto, nenhuma viv'alma para perguntar se está tudo bem. o telefone não toca, nenhuma declaração de feliz ano novo. totalmente, completamente, absolutamente abandonado. ele comemora sozinho com seu vômito e a privada ao som dos fogos de artifício ao fundo.

só mais um pouco. só mais um teco, um tiro, um pico. quero ficar louca, esquecer dessa merda toda. "e o seu filho?" raios que partam o moleque, não ligo mais para ele. não ligo mais pra nada, me deixe ficar sozinha. foda-se o menino, minha mãe cuidará dele, eu já sou uma mãe de merda mesmo, nem dá mais para me redimir. vai me passa logo o mesclado e a pedra. ele já me odeia, não tem nada que eu possa fazer. foda-se tudo, que tudo se exploda, eu não quero mais nada dessa vida. ele me odeia, entende? me odeia demais, não tem mais nada que eu possa fazer, me passa essa merda dessa droga que eu estou fazendo as carreiras.

ela nunca entendeu. quantas vezes pediu desculpas e disse estar arrependido! nunca, nunca, nunca. sabe que ele acabou com tudo, mas ele pediu clemência, pediu perdão! ela nunca o perdoou nem o perdoará. ele jazia moribundo, meio vivo, meio morto. nem ele sabia mais se estava vivo ou morto naquela hora. na hora que ela adentrou o quarto ele sentiu uma ponta de vida lutando em seu íntimo, lutando para se assentar e contagiar o resto, lutando para que aquela última centelha de vida fosse o que o resgataria da trilha sem volta. as últimas palavras que ouviu foram: "isso é menos do que você merece, seu filho da puta!". ao terminar de ouvir a frase ele fechou os olhos, uma lágrima rolou por seu rosto de sofrimento e a fagulha se apagou.

ela sempre amava seus casos esporádicos diários como se eles fossem sua alma gêmea. todos, um por um, ela amou, idolatrou e sofreu, sofreu eternamente com cada um deles. todos a rejeitaram, exatamente como todo o resto do mundo. ninguém a queria por perto, todos mantinham uma distância segura da leprosidade que ela carregava que ela não sabia da existência. ninguém queria ficar perto dela, nem ela mesma.

seus pais sempre o ignoraram. seu irmão mais velho era muito melhor que ele. era mais alto, mais bonito, mais inteligente, mais loiro, mais branco, tinha os olhos mais azuis, era mais carinhoso. ele era um zero à esquerda, um estorvo que ocupa espaço e gasta dinheiro. só isso ele era. ficava pelos cantos tentando não ser notado, tentando não chamar atenção, tentando não existir para que todos pudessem ser mais felizes sem terem que olhar para o aborto natural que julgava ser. ele nunca conseguiu deixar de ser notado como estorvo da família.

eu estava sozinho limpando a colhedeira ligada, eu tinha só dezesseis anos e muitos sonhos - eu tocava piano e era bom -, quando a manga da minha camisa se prendeu no mecanismo, eu tentei tirar, não saia, tentei tirar a blusa, mas não dava mais tempo, minha mão direita já tinha sido dilacerada pela máquina e não tinha soltado do meu antebraço eu tentei puxar, não saia. tentei gritar, ninguém me ouvia. estava sozinho, no meio da plantação recém colhida e cheia de palhas secas espalhadas por toda área. então ouvi um estouro e o chão tremeu poderosamente. depois de uns dias eu descobri que foi um raio que originou a primeira fagulha, mesmo que não interessasse mais. só sei que enquanto eu tentava me libertar das entranhas da máquina o fogo se alastrou e estava vindo à minha direção. então me deparei entre escolher morrer queimado ou tentar cortar meu braço e sair vivo. peguei meu canivete e comecei a cortar, o sangue começou a jorrar e eu ouvia nitidamente o som dos meus tecidos sendo dilacerados contrastando com o crepitar das fagulhas que se aproximavam. urrava de dor, ninguém me ouvia. só sei que me lembro até hoje do som dos músculos e ligamentos sendo rompidos radialmente até chegar ao osso. quando cheguei ao osso comecei a bater com muita força para conseguir quebrá-lo. foi a pior dor que senti em minha vida toda. o som do osso se quebrando, finalmente, foi aliviante e traumatizante. estava zonzo, minha pressão tinha caído por causa do tanto de sangue perdido. não sei como consegui me arrastar para fora da plantação, mas estou vivo. tenho uma vida horrível, sou incompleto e todos olham para mim com dó ou repulsa. se eu soubesse que seria assim teria feito a outra escolha.