30.12.09

a fábula do pobre senhor kennard

uma vez, não muito tempo atrás, em um lugar que poderia ser o seu país, havia uma máfia estranha. era estranha porque não era uma máfia, na verdade. nas sutilezas de senhora goldmeier não estavam inclusas apostas, extorsões, ameaças, assassinatos nem nada similar a uma máfia, porém seu poder e influência estavam acima dos políticos do lugar. e a senhora goldmeier era uma pessoa de princípios, para o infortúnio do senhor kennard.

"pobre senhor kennard!" eles diziam com pena, todos sabiam o poder que a família goldmeier tinha. família goldmeier, vale-se dizer, era como a senhora goldmeier chamava aqueles que eram próximos a ela. posições que eram realmente almejadas por todos que viviam naquele país. a senhora goldmeier teve uma infância difícil, seu pai era um mero mineiro e sua mãe lavava roupas para ajudar com dinheiro para educação da pequenina filha do casal. os dois morreram bem cedo, deixando a então menina goldmeier no começo de seus 13 anos desamparada e sozinha. o que ninguém esperava, entretanto, era que ela tivesse facilidade tamanha ao lidar com pessoas e seus desejos. quase todas as vontades que ela ouvia, ela conseguia transformar em realidade. não era mágica, não era dinheiro, ela convencia pessoas a fazerem favores para ela, sem a garantia de nada em troca, só a promessa de que quando tivesse algum desejo, ela daria seu máximo para realizá-lo. as pessoas não imaginavam o quão astuta a senhora goldmeier poderia ser. então, como uma facilitadora de comunicação entre pessoas, a senhora goldmeier conquistou seu império.

como característica comum a todo imperador, a senhora goldmeier não era sempre bondosa. ela tinha regras simples e muito bem embasadas em seu moral, mas ela punia quem não seguia as simples regras. ela não matava, ela não extorquia, vale dizer, novamente, que a senhora goldmeier não era violenta nem tampouco violava as leis de direito que regulavam o país. na verdade, ela realmente não fazia coisa alguma. mesmo assim, quem caia na desgraça da família goldmeier, estava fadado ao infortúnio e ao fracasso. muitos tentaram derrubar seu império ao longo dos anos, assim como o pobre senhor kennard, mas todos que estavam nas graças da senhora goldmeier ficavam incomodados com a situação, "como alguém pode tentar esse tipo de coisa com a maior benfeitora do país?" eles diziam. então, talvez o leitor já tenha entendido como a senhora goldmeier poderia construir ou destruir vidas. ela, na verdade, não tomava qualquer ação, mas todos os outros boicotavam quem fosse contra o que ela propusesse.

o senhor kennard era um mercante de tecidos finos, daqueles que não são encontrados facilmente e de beleza tamanha. no começo de sua carreira como vendedor, ele ia de porta em porta oferecendo seus produtos. por vezes vendia bastante, por vezes não vendia uma única peça, o que tornava o trabalho não tão sólido para conseguir seu sonho de abrir uma loja. uma tarde, enquanto estava vendendo tecidos de porta em porta, ele bateu à porta do casarão goldmeier. a senhora goldmeier tinha o costume de atender suas visitas pessoalmente e abriu a porta para o vendedor. como bom vendedor, o senhor kennard vendeu seu produto de tal forma que inspirou a senhora goldmeier a oferecer-lhe ajuda. "senhor kennard, não seria de seu interesse ter uma loja física para que assim o senhor possa vender mais e se cansar menos?" ela disse, o senhor kennard assentiu dizendo "na verdade, é meu maior sonho, senhora goldmeier.". e em menos de dois meses desde aquela conversa a loja kennard de tecidos finos e raros já estava funcionando.

em seus passeios pela cidade, a senhora goldmeier sempre via como estavam indo os negócios e os sonhos de seus protegidos. "e como estão as vendas de sorvete, senhora berjkley?", "muito bem, senhora goldmeier, o tempo tem ajudado fazendo bastante calor!", "como vão as vendas de tecidos, senhor kennard?", "muito bem, senhora goldmeier, as pessoas estão cada vez mais adquirindo gosto por coisas realmente belas.", parava em cada estabelecimento de seus protegidos e perguntava a mesma coisa semanalamente. era bom ser protegido da senhora goldmeier, mas todo protegido tinha a obrigação praticamente moral de ajudá-la quando ela pedia um favor.

foi justamente essa obrigação moral que faltou ao senhor kennard uma vez que a ele foi pedido um favor. ele negou a ajuda dizendo que estava em falta de tecidos. mal sabia o pobre senhor kennard que a imperatriz goldmeier tinha olhos e ouvidos em todos os lugares, em todas as horas. ela soube, por um membro da família que ela confiava o suficiente, que o senhor kennard tinha os tecidos que ela havia pedido, mas que ele não quisera ajudar porque planejava abrir outra loja em uma cidade nas redondezas e precisava de estoque para começar o negócio. "deixe estar, deixe estar..." disse a senhora goldmeier ao ouvir as notícias.

muitos anos se passaram até que a imperatriz goldmeier precisasse novamente dos tecidos do senhor kennard para ajudar outra pessoa a realizar um sonho. durante esses anos o senhor kennard prosperou e a senhora goldmeier conquistou mais poder ainda. sabendo que a ajuda já havia sido negada uma vez, ela foi pessoalmente à loja do senhor kennard para pedi-lo por seu favor. vale dizer que ele não desenvolveu qualquer senso de moral durante esses anos e negou novamente. desta vez foi pura e somente ganância, já ele era um mercante de sucesso, tinha muitas lojas pelo país e já havia consolidado grande fama por seus tecidos.

"seja cuidadoso, senhor kennard. já é a segunda vez que o senhor me nega um favor. não haverá uma terceira." a senhora goldmeier disse calmamente ao ouvir a negativa para seu pedido. "está me ameçando, senhora?" ele perguntou e, ultrajado, disse "eu sou o maior mercante de tecidos finos que existe neste país, e tudo que eu conquistei foi resultado do meu trabalho duro!", a senhora goldmeier, sem perder a pose, disse "não ameaço pessoas e não duvido que tenha trabalhado duro, senhor, mas não se esqueça que teve ajuda fundamental durante sua carreira.", então, ela acenou para um membro da família que a acompanhava e estava vendo tecidos e deixou a loja. enquanto se dirigia para outra loja para fazer a inspeção rotineira de como estavam os negócios, o senhor kennard saiu esbravejando pela rua, "a senhora goldmeier é uma impostora, ela prometeu que iria acabar com meu negócio, iria destruir minha carreira, minha vida e a de minha família! esta senhora é uma impostora!", ao ouvirem os gritos todos que passavam pararam para ver o que estava acontecendo e a senhora goldmeier continuou seu caminho, impassível, em direção a seus afazeres.

depois do colapso nervoso do senhor kennard suas vendas caíram drásticamente e em menos de um ano ele fechou as portas da última loja que conseguiu sobreviver por mais tempo. desolado, andava pela rua cabisbaixo, com olheiras fundas e olhar ausente mirando sempre para baixo. todos que o viam exclamavam "pobre senhor kennard!", mas a pena logo passava quando se lembravam de como ele era mesquinho e ingrato. quando soube do princípio de comoção que estava se instaurando na cidade, a senhora goldmeier o chamou para conversar em sua mansão.

"bem-vindo, senhor kennard, posso lhe oferecer alguma coisa?" ela perguntou logo que ele se acomodou em uma poltrona. ele, que nunca deixava seu orgulho de lado disse, "sim, senhora goldmeier, obrigado. a senhora poderia me dar minha vida de volta, a vida que a senhora tirou de mim.", entre risinhos ela replicou "oras, senhor kennard, eu não lhe tirei coisa alguma. foi o senhor quem fez tudo.", como ao ouvir a resposta dada ele adotou uma postura mais defensiva e agressiva, antes que pudesse balbuciar qualquer coisa a senhora goldmeier disse, "senhor kennard, a sociedade desse país é baseada unicamente na bondade das pessoas. elas se ajudam mutuamente a conseguirem o que querem, eu só ajo como uma facilitadora. quase todos percebem isso. quando um ataca quem facilita as coisas para todos, no caso eu, todos viram as costas e param de ajudar quem atacou. veja bem, eu tolero um grande erro. não gosto de pessoas que não conseguem aprender com seus próprios erros, o senhor cometeu dois. e logo depois de cometer seu segundo erro, o senhor cometeu um erro fatal, que foi duvidar da minha lealdade e bondade para com meus protegidos, esse tipo de coisa as pessoas toleram menos ainda. e foi justamente esse erro que fez com que o senhor fechasse todas as suas portas neste país. eu poderia deixar o senhor vagando pela cidade, vivendo de esmolas que as boas pessoas lhe dão por pena, mas isso não é bom para a sociedade que existe aqui. então, eu lhe dou esse dinheiro, que é o suficiente para uma passagem para outro país, longe daqui, e para que o senhor recomece sua vida exatamente do jeito que ela era antes desse povo lhe ajudar. o senhor não é bem vindo nessa sociedade. espero que seja inteligente o suficiente parar partir e nunca mais voltar. espero realmente que aprenda a lição nessa terceira vez."

ao terminar a conversa, o senhor kennard partiu e nunca mais foi visto aos arredores daquele país, a senhora goldmeier continuou facilitando as coisas para todos e vivendo de presentes que ela recebia das pessoas que eram gratas pela sua ajuda. vários senhores kennard passaram pela história do país enquanto a senhora goldmeier estava presente, mas há de se dizer que ela não foi tão bondosa com todos.

24.12.09

conexões natalinas

"é dia vinte e quatro e eu nem montei minha árvore! minha mãe ficaria tão desapontada se visse a falta de tradição e espírito natalino..."
ela olhou a sua volta, viu luzes piscantes nas sacadas dos prédios ao lado, papai noel, rena, estrela... sempre a mesma coisa.

no meio tempo um senhor lá pelos cinquenta anos estava se preparando para sair.
ele afivelou seu cinto, checou os afazeres, olhou em volta para ver se não esquecia de nada, tudo estava em ordem. pegou sua bolsa e saiu porta afora, não nevava, não estava calor, era um tempo úmido, sem sol e sem graça. ele olhou para o céu como quem desafiasse as nuvens cinza claro, não queria que chovesse mas gostava do sol tampouco. qualquer das combinações de chuva ou sol estragaria seu humor.

pegou seu carro e dirigiu por aí, sem destino qualquer. sentia-se desconfortável em casa, sentia-se desconfortável em trânsito. a situação toda o deixava descomunalmente incomodado. parou o carro num cinema e desceu, ficou olhando o painel para ver se tinha algum filme decente o suficiente para o entreter por algumas horas. quando chegou à bilheteria, a mocinha o informou: "desculpe, senhor, mas nós estamos fechando para o natal. não haverá mais sessões hoje.". ele fitou em volta com o olhar distante numa mistura de melancolia com solidão.

enquanto isso ela preparava seu cachorro para dar uma volta, pegou saquinhos para os cocôs, a pazinha para pegá-los, colocou na bolsa um guarda-chuva e uma capa de chuva para o cachorro. "nunca se sabe sobre esse tempo..." pensava ao guardar as coisas em sua bolsa. quando o cachorro notou que iria sair do cubículo do apartamento em que morava ficou todo feliz e rebolante, como só cachorros que moram em apartamentos sabem ser quando veem a coleira em sua direção.

saíram e começaram a dar a volta típica com o cachorro em volta do quarteirão. quando passavam em frente ao cinema, o cachorro conseguiu se soltar, e saiu correndo em direção a um homem não tão jovem que parecia estar com o olhar perdido no meio dos prédios e galerias. pulou nele, abanando o rabo como se fossem amigos de longa data. ela veio correndo logo atrás se desculpando. ele, que foi tirado de sua introspecção involuntariamente, não parecia aborrecido e afagava a cabeça do cachorro enquanto ela vinha a toda velocidade em sua direção.

"belo cachorro esse!" ele disse querendo dizer que não havia motivo qualquer para que ela pedisse desculpas. ela deu um sorriso educado e casual, abaixou-se e prendeu o cachorro novamente. enquanto ele brincava com o cachorro ela disse "tempo estranho esse, não? não chove, não faz sol..." ele concordou "é mesmo, esse tempo é uma loucura... sabia que meu filho tem um cachorro da mesma raça?", depois da típica conversa de um minuto e meio sobre o tempo e coisas banais ela continuou passeando com o cachorro e ele entrou em seu carro.

ela voltou para casa, tomou banho, ligou a tv e pôs a comida congelada no microondas para a ceia. "minha mãe me odiaria hoje, se ela estivesse viva. cadê o espírito natalino?". comeu a lasanha um tanto sem sabor assistindo a um filme sobre natal e pessoas felizes na tv.

ele, dentro de seu carro, ligou para seu filho. desejou feliz natal e disse que ganharia um presente muito incrível que ele vinha preparando há meses. o menino ficou curioso para saber o que era, mas seu pai disse que o natal era somente no dia seguinte e seria este o dia em que ele ganharia seu presente. logo após desligar o telefone, ele deu partida no carro e dirigiu até um lugar um tanto afastado. lá, ele tirou o cinto de segurança e aumentou a velocidade do carro de forma tremenda, quando o carro atingiu seu máximo, ele mirou em um poste, batendo drasticamente de frente. o carro ficou destruído, ele morreu, o poste caiu e a transmissão de energia foi interrompida para toda a cidade.

quando o filme estava chegando ao final, a luz acabou. ela ficou chateada por não poder ver o fim do filme e foi dormir deprimida por não ter mais a vida bonita que os filmes mostram.

no dia seguinte, o menino recebeu uma ligação da polícia e outra da empresa de seguros. a polícia dizia que seu pai morrera em um acidente de trânsito, a empresa de seguros disse que ele ganhara alguns milhões de reais por conta da apólice de seguro de vida de seu pai.

23.12.09

um ano - balanço geral

aí que algum dia desses o blog fez um ano de idade.
nesse ano publiquei 30 contos, oito crônicas, dez entradas no diário da amanda e mais um monte de besteiras que nem vale a pena ser lido.

nesse meio tempo, desde o começo de fevereiro até hoje, foram 3884 vistas gerais e 2009 visitas únicas, de oito países diferentes pelo mundo. número que eu considero expressivo dado ao conteúdo do blog, pseudo literatura na internet. e leitura na internet não é algo que traga muitos visitantes. os dois textos mais acessados foram carta de amor, graças ao grande número de gente preguiçosa que quer achar uma carta de amor pronta no google para entregar ao amorzinho (eu ainda farei um modelo de carta que é só trocar o nome e vou liberar pra geral pegar) e a crônica cigarro e manipulação das massas que foi divulgada no site fumantes unidos (o qual sou colaboradora com textos) e, desse site, foi linkada para mais alguns outros, o que gerou grande número de visitas desde sua publicação.

há de se dizer que esse blog é totalmente experimental para mim, o uso como ferramenta de treino para meu objetivo maior. logo, há muita coisa ruim mesmo publicada aqui e uma ou outra coisa boa. então eu acredito que o balanço anual foi produtivo.

no mais, caro leitor, digo que farei o possível para publicar mais dois contos e pelo menos uma entrada no diário da amanda até o fim desse mês. já tenho as ideias, é só questão de tempo até a publicação.

para quem acessou uma vez e gostou e voltou, muito obrigada.
para quem acessa sempre porque é meu amiguinho, muito obrigada.
para quem acessa sempre porque gostou e nem me conhece, muito obrigada.
para quem veio parar aqui por causa da preguiça e a vontade de pesquisar no google uma carta de amor pronta para entregar pro amorzinho, bem, você fez número.

18.12.09

só pra eu lembrar pra sempre:

" joana,
Thank you for all advice and support.
Your dedication is so impressive. I learned a lot with you about culture, experiences and I felt honored to have you as my teacher."


wishing you the biggest, brightest Holiday season ever.






eu amo poder passar conhecimento para os outros e ainda ser paga por isso. essa mensagem valeu todas as noites que eu não dormi, não saí, não me diverti, valeu por todas as lições de casa corrigidas, todos os alunos chatos e tudo mais.
eu estou emocionada, mesmo.

17.12.09

f5

espera só semana que vem, espera. última semana de trabalho do ano.

7.12.09

nós te amaremos do jeito que fores, desde que sejas perfeita

estava sentada no canto de um quarto, numa cadeira dura. ela, ao olhar as paredes, se lembrava de como as coisas costumavam ser, perguntava-se como poderiam ter sido, uma mistura de saudosismo e masoquismo. ela sempre fora uma mulher decidida, sem questionamentos, sem distrações, sempre centrada na maior coisa possível, o grande objetivo. na verdade, fora ensinada a ser assim, quando menina era uma criança sonhadora e ingênua como todas deveriam ser, pintando, sonhando, sorrindo. ao crescer fora ensinada diversas coisas; "nunca perca o foco!", "não se abata com as pequenas derrotas!", "se alguém não gostar de você, dê as costas e mostre o quanto você é especial e inteligente!", "esteja sempre no seu melhor!", "nunca, jamais perca o foco!" as vozes diziam. as vozes eram como inquisidores apontando todos os erros, destacando falha por falha, repudiando qualquer derrota. "a você não é permitido perder, menina", "você foi criada para ser a maior, a melhor, a perfeição em forma de mulher."

ela começou a perder sua ingenuidade quando tinha por volta dos sete anos. ensinaram-na como se portar em lugares finos, cobravam-na esse comportamento todas as horas, em todos os lugares. teve educação digna de todas as princesas do mundo, fora ensinada das mais finas artes, das correntes filosóficas, da mais pura música. foram descobertos seus talentos natos, fora forçada a desenvolver os inatos energicamente. ela fora moldada para ser a mais inteligente, a mais focada, a mais pensante, a mais habilidosa. ganhou medalhas de honra nas escolas que estudou, graduou-se com honras nas universidades que cursou. fora sempre a mais bonita, a mais invejada, a mais cobiçada, a mais notada, a mais notável.

a coisa que ninguém parecia se importar era como ela se sentia. ninguém nunca a perguntou como ela estava, o que ela pensava, o que ela queria. pessoa alguma entendia o descaso que ela tratava dos troféus levados para casa, ficavam lá, dentro da estante com portas de vidro e ela nunca os olhava. "esses troféus não valem nada!", "você poderia ter se saído melhor!", "não acredito que só conseguiu isso!".

há de se notar que ela foi a melhor do ramo que fora escolhido para que trabalhasse, há de se notar, também, que ela teria sido a melhor em qualquer ramo que pudesse ser escolhido. mas era forçada a ser sempre melhor e melhor e melhor, não importando a situação, não importando se estava doente, não importando o quão imaginável o objetivo era.

"você tem que formar uma família!", "conseguir um bom marido!", "ter um casal de rebentos!" fora dito. não era dado conta, entretanto, que ela realmente não gostaria de ter filhos, nem de achar um bom marido, nem de formar uma família ou qualquer coisa que lhe era dita. mas ela sabia que não poderia ir contra às regras, sabia que haveria graves consequências, "é tudo para seu próprio bem, querida.". formou uma família, achou um bom marido e teve um casal de rebentos. fora muito bem sucedida na vida que levava.

até que um dia as vozes cessaram abruptamente. viu-se desamparada, sem ninguém para lhe guiar e dizer o que deveria ser feito. teve liberdade pela primeira vez desde que tudo começara tantos anos atrás. logicamente ela poderia ter dado conta de tudo com tudo que lhe fora ensinado, logicamente ela ficaria tentada a experienciar o significado real de liberdade e ela logicamente decidiu experimentar o inexperimentável.

algum tempo depois do silêncio imposto, alugou um quarto simples, com papel de parede azul claro, desbotado e amarelado que estava descolado em alguns lugares. havia um espelho com marcas do tempo sobre uma penteadeira parcialmente denegrida pela ação de cupins, uma cama com lençóis amarelados e havia um evidente cheiro de mofo preenchendo todo quarto. sentou-se à penteadeira, tirou um copo da bolsa e o postou suavemente sobre ela, tirou algumas pílulas e as colocou ao lado do copo, tirou de sua bolsa uma garrafa com um líquido colorido de gosto forte e encheu três quartos do copo. como em um ritual, ela pegava a pílula, a colocava em sua boca e a engolia olhando-se ao espelho, assim o fez com cada exemplar que havia sobre o móvel.

ao terminar, deu a volta na cama e sentou-se sobre a cadeira que havia ao canto do quarto, dando a visão angular de todo ele, ela era dura e desconfortável. e foi ali, naquele quarto que despertaria repulsa em qualquer pessoa normal, naquela cadeira desconfortável que ela teve seus últimos minutos de vida. não havia esquecido, porém, das lições ensinadas de sempre estar em sua melhor forma. depois de relembrar sua vida, logo antes de dar seu último suspiro, a única coisa que conseguia pensar era: "agora eu tenho liberdade para fazer o que eu quiser.".

2.12.09

tudo que você poderia sempre ter querido saber de mim

eu fumo, não pretendo parar de fumar. depois de três meses de convívio eu passo a ser extremamente previsível e, por isso, fico chata. eu trabalho muito, mas morro de preguiça. adoro dias de ócio. gosto de vodka boa e bebo pelo gosto, não para ficar bêbada. gosto de coisas singulares que não agradam à maioria da população, música, bebida, literatura. comida não, me alimento basicamente de pão com alguma fonte de proteína no meio e maionese e mostarda. fico anos sem comer frutas. me alimento uma vez ao dia. compulsiono aos fins de semana. tenho muito mau humor ao acordar, tirando isso, só tenho mau humor se houver a combinação de calor e sono. sou aberta ao diálogo e à mudanças, por mais que eu ame a rotina. não hesito em cortar qualquer pessoa que eu já tive qualquer afeição da minha vida quando necessário, me acostumo fácil à ausências. quando falando de namoros, o que me fode é o ego, sempre. meu ego já foi um monstro mitológico que poderia devorar a tudo e todos, ele abaixou um pouco, continua sendo maior do que o da maioria da população, entretanto. sou inteligente e acho que a minha inteligência é a única coisa decente em mim, me acho feia, gorda e idiota. me acho mais inteligente que a maioria da população mundial, por mais que eu tente achar que minha inteligência é mediana. pessoas que oscilam entre a idiotice e complexidade de pensamentos e filosofias extremas costumam me atrair um bocado. falo palavrões pra caralho. sou fútil. não sigo moda e acho o cúmulo pagar caro por roupas. só sou consumista com aparelhos que despertam meu interesse, como fones de ouvido e óculos. não me importo em dar presentes para todos que estão no meu convívio íntimo, por mais que eu saiba que eles algum dia sairão da minha vida ou serão totalmente escrotos e devidamente cortados por mim. gosto de cachorros. não uso drogas ilícitas e faço da literatura uma droga maravilhosa. adoro quando pego uma saga em série e leio sem parar até terminar, durante o período você é transportado para aquela dimensão viajada e sai da vida real. sou autodestrutiva, fumo porque eu gosto e faz mal, me alimento mau porque é gostoso e faz mal. não quero viver para sempre e tenho horror a quem diz que quer viver para sempre. oscilo entre depressão crônica e distimia. acho que algum dia isso poderá evoluir para algo mais sério mas tenho muita preguiça para ir a algum psicólogo/quiatra para eles me falarem exatamente o que eu já sei. apesar disso acho que poderia fazer bom uso de remédios (misturados ao álcool dá barato). não sou arrogante. respeito a todos e acho que a falta de respeito é o maior problema do mundo como um todo. não gosto de baladas nem de pessoas de baladas. não gosto de pessoas, na verdade. gostaria de ver o mundo acabando sentada numa colina e esperando chegar a minha vez fumando um cigarro. não dou valor algum à vida. não costumo cometer o mesmo erro duas vezes. ainda quero chegar o mais próximo da perfeição que possa ser possivelmente alcançado por algum ser humano. tenho necessidade de me provar melhor do que eu mesma acho quase diariamente, quando não, é por causa da preguiça. tomo muito café e coca zero. apesar disso e de fumar meus dentes não são amarelos. não brigo com ninguém nem fico nervosa facilmente. não gosto de coisas salgadas, sal é quase que totalmente dispensável. sou um tanto disléxica e não sei quando tenho que usar s ou c. meu cabelo cresce muito rápido, mudo de cabelo a cada três meses e já tive quase todos os cortes de cabelos possíveis. sou indiferente à maioria das coisas, pessoas e situações. tenho mais afeto à pessoas inteligentes e folgadas porque sou inteligente e folgada também. nunca sentei para estudar na minha vida e nem sei como fazer isso. tenho uma facilidade quase irreal para desvendar pessoas, um simples encontro e já posso dizer os traços mais marcantes da personalidade de quase qualquer pessoa do mundo. alguns amigos abusam desse dote que eu tenho. eu sempre descubro o que eu quero descobrir, então, nunca minta para mim. eu minto muito para quase todo mundo, são sempre as mesmas mentiras para que eu não me contradiga porque eu esqueci o que eu disse. elejo algumas pessoas que decido que não mentirei e assim o faço, só para provar pra mim mesma que eu posso ser leal se eu quiser. não gosto da cultura popular e sou totalmente alheia a ela, bons fones de ouvido e ausência de tv fazem bem o papel de filtro de mediocridade das coisas que realmente importam. gosto de música erudita. eu sei fazer anéis com a fumaça do cigarro. não tenho memória, sou capaz de ouvir a mesma história algumas vezes, não me lembrar dela, e tecer os mesmos comentários no fim de cada uma, segundo meus amigos, porque eu realmente não me lembro de ter ouvido as histórias antes. e isso é basicamente tudo que você poderia querer saber de mim.