24.4.09

ao vencedor, às batatas

o mundo jamais voltará a ser o que era. o mundo não parou nem se importou, ninguém se importou na verdade. para você tanto faz, não é a sua vida mesmo, não chegou nem perto de ser sua vida. desde a infância vi um a um de quem eu gostava ser arrancado sem dó nem piedade do meu convívio próximo. o que acontecia com eles nunca soube, não sei se eles tiveram o mesmo destino fatídico que o meu, e acho que jamais saberei. só digo que a vida sempre foi muito injusta comigo.

nasci em uma família bem estruturada, tinha pais, irmãos mais velhos e irmãos mais novos. minha infância foi muito bem aproveitada, rolava pela terra com meus irmãos e primos, nunca fui à escola, nós não tínhamos esses luxos, aprendíamos mesmo na escola da vida: o que fazer, como fazer, como nos alimentar de forma correta para que crescêssemos e fossemos saudáveis, a vida nos ensinou tudo. fui crescendo como todos ao meu redor, éramos jovens, confiantes e até mesmo felizes.

na adolescência me apaixonei perdidamente, mais de uma vez. e todas eram minha cara metade, a outra metade da laranja, a alma gêmea, sem exceções. logo depois da primeira desilusão amorosa comecei a trabalhar, é necessário sair debaixo da saia da mãe e começar a fazer algo pela sua própria vida. se eu soubesse que aqueles seriam meus anos áureos teria aproveitado mais, mas a gente nunca sabe que estava por cima até estar por baixo. foi mais ou menos nessa época que meus pais e meus irmãos mais velhos sumiram e jamais voltaram. a última coisa que ouvi da minha mãe foi um até amanhã corriqueiro de quem se despede ao ir dormir. não preciso dizer que jamais soube do paradeiro deles.

trabalhei, trabalhei, trabalhei, fiz tudo o que eu deveria fazer para manter a casa e uma vida digna para meus irmãos mais jovens, me divertia um pouco, encontrei mais algumas almas gêmeas e hoje eu vejo como meus pais se encontraram e formaram uma família cedo, eu jamais teria esse destino. minhas alma gêmeas nunca vingaram, talvez tenha sido porque jamais fui capaz de gerar uma prole, jamais saberei e hoje isso não importa mais.

não sei como funciona onde você vive, mas onde eu vivi todos tinham que se alistar ao exército. homens, mulheres, crianças... e nós éramos chamados para o serviço só quando estávamos na nossa melhor forma. o jeito que me chamaram, que eu assumi como padrão porque só isso explicaria muita coisa na minha vida, foi totalmente inesperado. uma noite, logo após que havia colocado meus irmãos para dormir, bateram à minha porta. atendi, dois indivíduos mostraram documentos e falaram a frase que mudou minha vida: "precisamos de você.", quando eu tentei falar que precisava avisar meus irmãos sobre o chamado do poder superior simplesmente disseram que não havia tempo, e me arrastaram de lá, no meio da madrugada, sem que eu ao menos pudesse dizer aos meus irmãos o que estava acontecendo.

aí começou a viagem mais estranha da minha vida inteira. me encontrei em um universo paralelo muito estranho, não que fosse realmente um universo paralelo, mas era como se fosse. primeiro, logo depois que vieram me buscar à minha porta, me deparei com um mundo muito claro, diferente de tudo que eu já tinha visto durante minha existência. depois, me levaram a uma espécie de transporte, não sei definir exatamente o que era, mas eu nunca vi algo do tipo antes, era retangular, não tinha muita luz, mas mesmo assim já era mais claridade do que o que havia me acostumado, não sei descrever mais, não tenho muitos parâmetros para comparar esse meio de transporte, mas posso dizer que era muito estranho para os meus padrões comuns. havia muitos outros no mesmo transporte, ficávamos meio empilhados, uns por cima dos outros. ao olhar por uma fenda, vi muitos outros daqueles transportes totalmente cheios. naquela hora eu percebi que a guerra que iríamos enfrentar era enorme.

quando chegamos ao nosso destino, fomos todos jogados numa espécie de esteira, que nos levava diretamente a um chuveiro, que me pareceu que serviria para nos descontaminar de qualquer praga que poderíamos ter. a visão do chuveiro me assustou como nada antes na minha vida já havia feito, tentei gritar para os outros, dizendo que estávamos na mão do inimigo e todos os outros pareciam que partilhavam da mesma opinião que a minha. tentei pensar em um jeito para que nos uníssemos e conseguíssemos escapar, mas não tínhamos como fugir, tudo foi previamente arrumado para que nenhum de nós conseguisse escapar.

quando me dei por mim, o chuveiro estava muito próximo e gotas daquele veneno já tinham começado a espirrar em mim, tudo que poderia fazer era prender minha respiração para postergar o máximo possível minha existência. passei pelo chuveiro e quando percebi, já estava em um lugar muito esquisito, havia coisas sendo passadas em mim, aquilo era muito estranho mesmo, jamais havia passado por uma situação assim, eram como fibras sendo esfregadas contra meu corpo, assumi que era para ajudar a descontaminação ou para que o veneno penetrasse mais ainda em mim, uma vez que o líquido voltou a ser espirrado, mas com mais violência.

foi tudo tão rápido, que quando reparei, tudo já havia acabado e estávamos todos jogados em um canto qualquer esperando que o veneno surtisse efeito. nessa hora eu parei de tentar qualquer tipo de comunicação com meus superiores ou raptores e com os outros que estavam na mesma situação que a minha, percebi que nada que eu fizesse poderia surtir qualquer efeito. uma coisa que aprendi com meu pai: se não há nada que possa ser feito, não faça nada, você estará se ajudando mais do que se tentasse fazer algo. e assim fiquei lá, olhando ao meu redor e tentando entender aquele lugar estranho. se eu soubesse que ia passar por isso, teria avisado meus irmãos para fugirem ou jamais abrirem a porta no meio da madrugada.

depois de um longo tempo que estávamos parados, sem ter nada sendo feito conosco, resolveram nos pegar e nos colocar novamente em um meio de transporte parecido com o que nos havia trazido até lá, mas esse meio de transporte parecia ser mais maleável, menos incômodo. suponho que eles tenham feito isso porque o veneno não surtiu muito efeito em ninguém, só estávamos irreconhecíveis, mas, tirando isso, não havia qualquer outro efeito aparente. ficamos naquele meio de transporte por muito tempo, dias, semanas, não sei contabilizar, só sei que naquela altura eu já parecia alguém que nunca poderia ter levado o tipo de vida que eu costumava levar.

quando aparentemente chegamos ao nosso destino, nos mudaram de meio de transporte novamente, nunca entendi essa obsessão por meios de transporte que parecia haver. esse era retangular, mas tinha muito mais fendas que o primeiro. como eu consegui ficar em um lugar em que tinha uma boa visão do exterior pude olhar para um pedaço do meu entorno. era um lugar estranho, havia muitas raças diferentes naquela guerra, todas ordenadas graciosamente em batalhões de iguais. quando percebi como os batalhões estavam dispostos, consegui entender que eu também estaria em um batalhão similar, junto dos meus. e foi exatamente o que aconteceu. quando menos esperávamos fomos dispostos num batalhão somente nosso. quando vislumbrei o tamanho e a quantidade de batalhões fiquei com mais medo ainda. pela quantidade de combatentes, a guerra iria ser a maior do mundo.

fiquei esperando por muito tempo para entrar na batalha. nenhuma ordem ou palavra foi dirigida a mim desde a hora que bateram à minha porta de madrugada. nunca soube o que fazer, mas estava lá, com a maior sensação de insegurança que já tinha sentido, com medo e pensando se o mesmo havia acontecido com os outros que haviam sumido do meu convívio. até que um dia, escolheram a mim e mais uns cinco, nos colocaram em outro meio de transporte. naquela altura já havia perdido medo desses transportes estranhos e aceitei minha condição sem dizer palavra alguma.

quando meus companheiros e eu chegamos ao local da batalha, estranhamente fomos colocados em um lugar bem exposto por um tempo considerável, o lugar era estranho, havia pouquíssimos combatentes de pouquíssimas raças. ficamos lá, olhando o movimento até que o pior aconteceu.

pegaram-me e começaram a tirar toda minha pele. eu desmaiei de dor e sofrimento logo no início, e, incrivelmente, logo depois disso passei a ter essa consciência com a qual eu conto minha história, só que passei a ver tudo que acontecia como quem observa algo de fora. só sei que agradeci por ter perdido a consciência logo no começo, o que viria depois seria pior ainda, logo depois toda minha pele havia sido tirada, meu corpo inerte foi atirado em uma espécie de substância borbulhante. a mesma ação foi repetida com todos meus pobres companheiros de exército. depois de ter nos deixado lá por um tempo que me pareceu interminável, nos pegaram um a um a esmo e nos amassaram alucinadamente até que todas as nossas entranhas estivessem bem homogêneas e misturadas umas nas outras, de forma que jamais seria possível reconhecer qualquer um de nós separadamente, apesar de eu não ter parado de prestar atenção a um último pedaço de mim, conseguindo me localizar naquele amassado de corpos. adicionaram mais algumas coisas à grande massa que formávamos e misturaram muito bem para que tudo fosse incorporado e que ninguém fosse capaz de distinguir coisa qualquer.

no fim, só sei que começou uma discussão qualquer provinda de quem havia nos torturado daquela maneira. tendo a visão de fora, fui capaz de distinguir quatro primatas, dois pareciam ser mais experientes, dois mais jovens. o último pedaço que restava de mim que ainda era capaz de reconhecer foi parar em um aparato o qual o menor primata utilizava para levar o que havia em sua frente para uma reentrância que havia em o que eu julguei ser seu rosto. a essa altura da discussão o resto de mim acabou voando ao rosto do outro primata menor. eu diria que minha existência foi um tanto vã, já que a última coisa que tenho consciência de ter acontecido comigo foi ter voado ao rosto de alguém na forma de um simplório purê de batatas.

3 comentários:

Carola disse...

Joana que conto louco....como assim meu por que fizeram isso com ele? ai credo que nojo! hahaha
e ai Jo, vamo toma um chopp terça com as meninas?e desencana desse conto acati!!!
=(

Sabrine disse...

Porra velho...
se eu odiava purê de batatas...agora q eu odeio msm...
afff...nojento... 'peguei nojinho'...uahsusahasuh!!
amo vc minha escritora predileta!!

Unknown disse...

Amei a história da batata Jô... de longe o melhor conto que vc já escreveu... Ainda estou tentando digerir todas as metáforas... heheehhehehehehe