1.12.08

tornozelos

ele olhava para os próprios tornozelos. ninguém sabe bem ao certo o que ele via quando fixava seu olhar em seus próprios tornozelos, mas o que há de se concordar é que deveria ver algo interessante, já que ele não parava de olhar para seus tornozelos.

não era exatamente aos tornozelos que ele fitava. o ângulo de seus tornozelos em relação ao chão e aos seus pés é o que lhe chamava atenção. as sombras formadas pelos raios luminosos que emanavam dos lugares, o espectro bruxelante da forma de seus tornozelos conforme a luminosidade se alterava em sua fonte o cativavam de tal forma que não conseguia parar de contemplar seus próprios pés.

no começo não era nada de tão anormal assim, um dia, meio sem intenção, se pegou olhando para o espaço entre seus pés. foi a forma que ele mais conseguiu abstrair-se de sí próprio - mais ainda que desacordado. aos poucos, foi testando novas estruturas. comprou sapatos diferentes, meias estranhas com penduricalhos e alguns pares de tênis. tudo para testar os ângulos e a incidência de luz. procurava a combinação perfeita.

todos que o conheciam estranhavam tamanha exoticidade que, da noite para o dia, passava a apresentar. alguns deram cartões de psicólogos afirmando que os donos dos cartões eram os melhores do brasil, outros achavam que era uma fase. mas ninguém realmente nunca conseguiu entender por que ele desprendia tanto de sua atenção e tanto de seu tempo olhando para os próprios tornozelos.

sua admiração pelos ângulos e formas o captou de tal forma que ele passou a olhar sempre para baixo. em todos os momentos, passou a olhar sempre para baixo. as sombras o mantinham em alerta. em seu quarto, ajustou o abajour de forma que conseguisse ver nitidamente a sombra projetada. usou seu abajour assim por semanas. só parou quando acendeu uma vela e deixou uma fresta da janela aberta para que houvesse um sopro de vento brincando com a chama para que assim houvesse harmonia entre luz, sombras e ângulos. e assim adormecia.

em seus sonhos havia muitas versões de pés, tornozelos, sombras e luzes. como se estivesse numa sala de espelhos e todos eles fossem versões diferentes dos mesmos pés. uma sala sombria, escura com luz bruxelante desritimada. em todos os sonhos, tentava sair dessa sala sombria mas nunca conseguia. acordava suado e com os batimentos cardíacos acelerados.
ficou compulsivo. compulsivo como um viciado. compulsivo como uma idosa é por cortinas florais. compulsivo ao ponto em que sentia asco de si mesmo. mas o fato é que nem ele jamais entendeu a razão de olhar fixamente para seus tornozelos e achou que era muito idiota por isso.

até que um dia, ele passou os olhos por seus joelhos e jamais olhou para seus tornozelos de novo. pensou que os tornozelos eram totalmente sem graça e abstratos demais para seu raciocínio limitado. mas os joelhos, esses sim eram jóias raras!

2 comentários:

Layana Lossë disse...

oi? primeira aqui?

:)

acho errado esse povo resolver cobrar pelo q sempre foi de graça ¬¬

e tipo, tornozelos q nada, os pulsos são beeeem mais interessantes ;)

Anônimo disse...

É o curupira shoegazer, hoahoahuiahuaua!!!

Muito bom! Welcome back.