12.12.08

planos

planos. muitos planos. desde antes de se casarem fizeram planos sobre tudo. aliás, duas famílias tradicionais como aquelas não poderiam deixar de fazer planos sobre uma união estável - e lucrativa - entre elas. essa história não é sobre a união entre essas tradicionalíssimas famílias, é sobre o fruto que ela gerou. mas comecemos nos primórdios...

essas duas famílias se conheciam há muito tempo. desde que os patriarcas se encontraram fazendo pós-graduação em uma faculdade do exterior. mantiveram contato. não por gostarem um do outro, mas por saberem que os dois eram ótimos nos negócios e poderiam fazer uma parceria interessante. graduaram-se e voltaram à sua terra natal. cada um abriu sua empresa. casaram e constituíram família. cada um dos patriarcas só teve um fruto genético em seu casamento. uma família com um fruto cromossômico xx e a outra com xy.

um dia, anos depois, as matriarcas se encontraram no salão de beleza. uma convidou a outra para uma festa de ano novo. e fez questão que a filha e o marido dela fossem. quando ela chegou em casa e repassou a informação à família, a filha não gostou muito da idéia. tinha planejado outras coisas para aquela data. porém, o patriarca fez questão de chantageá-la propriamente para que ela resolvesse ir.

noite da festa. a família se deslocou até o apartamento de cobertura em que a festa ocorreria. a filha estava encostada em um canto observando as coisas. serviço de buffet, garçons, canapés, champagne, charutos e um rapaz muito interessante que parecia tão entediado quanto ela. juntou-se a ele e conversaram. ela descobriu que o rapaz interessante era, na verdade, filho do casal de amigos de seus pais. conversaram por horas. conversaram sobre tudo. o ano mudou e continuaram conversando. a festa acabou e continuaram conversando. dias passaram e continuaram conversando por telefone. até que descobriram estarem apaixonados. contaram às suas respectivas famílias. como a tradição manda, fizeram um jantar de comemoração.

comemoração e negócios, aliás, se o namoro fosse bem sucedido, a riqueza de seus filhos seria dobrada, as empresas distintas se fundiriam e todos ganhariam mais dinheiro. houve um conchavo para que o relacionamento desse certo. uma parte da família escondia fatos aqui, uma parte da outra família escondia fatos alí... depois de poucos anos se casaram. depois da lua de mel ao redor do mundo, da ação para fundir as empresas, da compra de algumas propriedades e mais alguns ajustes usuais, resolveram tentar ter um filho. afinal, não haveria motivo para tal império se não houvesse um herdeiro. a filha virou mãe e o filho virou pai. e é aqui onde a história começa.

planejaram tudo. projetaram uma casa nova com segurança para uma criança nascida em berço de ouro. pesquisaram escolas antes mesmo da criança nascer. planejaram o futuro da criança, faculdades, cursos de pós graduação, esportes a serem praticados e instrumentos musicais a serem dominados. só não planejaram o casamento porque não queriam ter nenhuma ligação com os povos bárbaros do oriente. a criança nasceu e era um menino. um menino saudável, bonito, que cresceria e representaria muito bem a união milionária entre as famílias. e escolheram um nome simples para o garoto.

o garoto não viu muito os pais até a adolescência. estavam sempre trabalhando. sentia falta deles, mas tinha três empregados para fazerem o que quisesse, desde que estivesse na lista de atividades permitidas por seus pais. sempre foi um garoto carinhoso, bonito e inteligentíssimo. sua mãe mostrava fotos dele para todos os homens com quem tinha casos extra-conjugais. seu pai, também, sempre mostrava fotos dele para todos os homens com quem tinha casos extra-conjugais. eram pais orgulhosos.

o garoto cresceu, se tornou um adolescente belo e saudável - mas mesmo assim, ele continuará a ser chamado de garoto -, daqueles que são alvo de desejo de todas as adolescentes belas e saudáveis. mas algo aconteceu nesse meio tempo. ele não se divertia mais. o que ele tinha não era mais o que ele queria. o que ele deveria fazer o enojava e negava todas suas crenças. mas continuou fazendo. continuou por pressão familiar, por medo de decepcionar família tão fortunada que lhe proporcionava tudo que qualquer pessoa poderia querer. continuou, cursou a faculdade que seus pais planejaram. depois da graduação, ficou por semanas na cama. só se levantava para ir ao banheiro. seus pais contrataram os melhores psiquiatras do país e foi diagnosticado. depressão. alguns meses de terapia foram necessários para que chegasse ao conhecimento paterno que o garoto não queria seguir a profissão que ele estudara. então foi sugerida outra carreira para que aprendesse.

e ele cursou a faculdade. não como antes, perdia todo seu tempo no bar com as pessoas de ciências humanas. experimentou drogas, novas experiências e conheceu a mulher de sua vida. ela tinha um estilo meio hippie-chic com uns toques futurísticos à lá filme de ficção científica, esse tipo de coisa paradoxal que só pessoas de ciências humanas conseguem fazer, e era bonita.

teve que subornar o reitor da faculdade, muito conceituada, para se formar. se formou e sentiu a pressão de sua família novamente. cama, depressão, meses de terapia de novo. chegou a um estado tão deplorável que sua família ficou apavorada. se recusava a tomar remédios e começou a se boicotar. tentava de todas as maneiras possíveis demonstrar para sua família que aquela vida que eles queriam que seguisse não era a vida que ele planejara para si. até que conseguiu.

em uma força tarefa envolvendo avós e pais, o único herdeiro do império foi inteligentemente forçado a um jantar tradicional em família. depois da sobremesa, veio a pergunta que todos queriam ter feito, mas seu avô foi o único com coragem para fazê-la:

- o que você quer da sua vida, filho?

diante da maior pergunta de sua vida, o garoto tremeu. ele não esperava por isso e resolveu ser sincero:

- o que eu quero? eu quero mesmo é ser palhaço!

um silêncio absurdo decaiu sobre a casa, os olhares perplexos de reprovação de sua família em direção a ele só não o mataram, porque justamente nessa hora ele prestou atenção à conversa que vinha dos empregados na cozinha. então o clima pesado foi destituído por sua mãe:

- então seja um bom palhaço!

e todos os planos que tinham sido feitos há anos foram por água abaixo.

3 comentários:

Flávia disse...

mas o fim não foi engraçado! engraçado foi o fato da familia ir abaixo XDDD

bejo!

Anônimo disse...

Romeu e Julieta com Nelson Rodrigues, mais uma piada (séria) que te conto ao vivo.

Jô, você é gênio.

Agora, cheira a minha flor: SPLASH. Não fique brava, aperte minha mão: BZZZZ! Calma, why so serious?

Layana Lossë disse...

subversivo, yeah!