26.2.10

a beata

sentia-se anestesiada, todo seu corpo formigava deixando-a incomodada com a situação. quanto tempo fazia? um mês, cinco meses? não sabia ao certo, só sabia que era mais tempo do que era possível suportar. precisava daquilo de novo, aquela sensação de êxtase inebriando seu corpo, tomando tudo como seu, fazendo-a sentir cada músculo se contraindo e depois relaxando num gozo febril. com a esperança de sanar a iminência da situação decidiu tomar um banho e tentar dormir.

rolou na cama por alguns longos minutos e finalmente adormeceu. em seus sonhos só via seu objeto de desejo insinuando-se para ela. bruxuleando com a leve brisa que entrava pela fresta da janela zunindo. todos os tons de vermelho explodindo e pintando o quarto em gotas espalhadas vindos da erupção do desejo. e ela se banhava daquele púrpura vivo a engolfando e sorrindo.

acordou de um lampejo, contudo com a respiração amena e sutil; sem demonstrar qualquer sinal que degladiava consigo mesma entre necessidade, vontade e culpa. ao arrumar-se, para ir encenar seu papel para a sociedade produtiva, decidiu que não tardaria a ter seu desejo realizado. com a culpa lidaria depois, o mais importante era sanar sua necessidade ávida por prazer.

vestiu-se com suas roupas normais: a saia escura abaixo dos joelhos, a camisa pringles, o sapato sem salto sóbrio, as meias soquete de lycra brancas e o coque bem moldado em seus cabelos. se transformava na típica beata interiorana que saia para pregar a palavra aos domingos pelas manhãs. só que ia para a biblioteca municipal justificar seu sustento para pagar o quarto da pensão para moças que vivia.

tomou o ônibus com o motorista de sempre, o cumprimentou e sentou-se no mesmo lugar de todos os dias. fitou por alguns instantes a janela que mostrava a paisagem tão conhecida e abriu seu exemplar de a insustentável leveza do ser de milan kundera. sempre disfarçava quem era na verdade com as roupas e os livros piegas em público. os livros não eram tão disfarce, visto que ela gostava de leitura leve para distraí-la de sua necessidade interminável. estava há tanto tempo abstêmia que teve que se forçar a ler para não escolher um qualquer e fazer o que havia de ser feito ali mesmo, dentro do ônibus. após vinte minutos de martírio chegou à sua parada.

no centro da cidade, muitos transeuntes andando apressados e se esbarrando. ela precisava somente de um esbarrão para perder totalmente o controle. então, se encolheu e abraçou sua bolsa com a intenção de evitar qualquer maior área de contato, afim de evitar o virtualmente inevitável. para sua surpresa, conseguiu chegar à biblioteca municipal sem um único esbarrão e respirou aliviada quando adentrou por entre as portas giratórias.

a biblioteca era a maior do país, circular, o teto em abóbada, o piso em mármore branco; o balcão prostrado exatamente ao meio do edifício abrigava as sete bibliotecárias que trabalhavam ali - das sete ela era a mais jovem, no apogeu de vinte e poucos. chegou e apossou-se de seu lugar de direito e fez de tudo para se compenetrar no seu trabalho. naquele dia, ironicamente, seria terminar de catalogar livros recém-chegados de alguma biblioteca portuguesa que diziam respeito, proeminentemente, de sexo na idade média.

após, aproximadamente, duas horas e meia que havia conseguido se concentrar o suficiente em seu trabalho, a ponto de esquecer que havia vida ou qualquer outra forma de expressão humana, ela foi drasticamente retirada de seu estado ébrio por um rapaz de cabelos castanho-claro cacheados caindo por sobre o rosto. ele perguntava qualquer coisa sobre a sessão de filologia e algum livro sobre o léxico báltico. ela ficou tão atônita que não conseguiu tomar qualquer ação além de balbuciar algumas sílabas dispersas e apontar o corredor correto. ele sorriu e se dirigiu ao local indicado.

ela ficou inebriada com a aparição repentina de uma presa perfeitamente saudável e compatível com o que ela necessitava. não conseguiu mais se concentrar em coisa alguma. precisava ter sua recompensa o mais rapidamente possível. tão logo foi capaz pensou em uma forma de atrair seu objeto de desejo para si. era necessário que fosse algo simples, que pudesse ser feito na biblioteca sem atrair suspeitas, mas confiável o suficiente para que ele mordesse a isca.

displicentemente levou até ele um papel - que comumente contém títulos de livros e sua localização para titulares da biblioteca - com os dizeres: "encontre-me no corredor sete quando só eu estiver na biblioteca. existe um livro que ainda não pôde ser colocado nas estantes que pode ser de grande ajuda à sua pesquisa." e deixou o papel ao lado do livro que estava aberto e retornou ao balcão. ele a olhou intrigado e continuou sua pesquisa.

como ele não tinha dado sinal aparente se teria sido fisgado ou não, ela não pôde fazer coisa alguma a não ser tentar continuar a trabalhar. se parasse, demonstraria ansiedade e isso poderia fazer com que seu joguete ruísse. três eternas horas para que a biblioteca fechasse e para que ela pudesse estar sozinha com seu alvo. tentou ocupar-se de todas as maneiras possíveis, mas não conseguia produzir coisa alguma. todos seus sentidos estavam em alerta, visão mais aguçada, olfato sentindo fragrâncias mínimas, tato exacerbadamente delicado, pela mais leve brisa todos seus pêlos se eriçavam fazendo qualquer toque em sua pele uma pequena descarga elétrica sentida por todo seu corpo. ela estava absurdamente pronta e ávida pelo momento em que sua recompensa seria servida.

resolveu checar se havia colocado o que precisava em sua bolsa. logo que colocou a mão dentro pôde sentir a forma tão conhecida e familiar e fechou os olhos antevendo o prazer que era certo que sentiria. tomada por essa sensação viu uma a uma de suas colegas desaparecerem terminando seus turnos diários. ela se ofereceu para fazer a última checagem e fechar tudo quando o último segurança estava em vias de terminar seu turno. este aceitou de bom grado, já que tinha algum compromisso logo depois do horário de trabalho e não queria se atrasar. quando olhou em volta e viu-se sozinha seu corpo já começou a precipitar a sensação que estaria por vir. só faltava ter certeza que sua presa havia mordido a isca.

soltou os cabelos do coque e pegou qualquer exemplar que estava no balcão que fosse do tamanho para que disfarçasse seu tão familiar utensílio. abraçou o livro e foi capaz de sentir a forma do apetrecho contra seu corpo. seu coração batia mais apressadamente, seus braços tremiam e já podia sentir o cheiro do que estava por vir no ar. respirou fundo e andou calmamente até o lugar do encontro. e lá ele estava a aguardando pacientemente distraído olhando títulos de livros.

aproximou-se dele e quando ele notou sua presença e virou-se para olhá-la, ela já estava perto demais para ser impedida. segurando seu instrumento por baixo do livro, deixou com que o exemplar caísse sobre o chão, mostrando o prata brilhante que emanava limpidamente por entre os livros. com o manejo de um profissional e a graciosidade que só ela era capaz de reunir desferiu o golpe que fez com que jorrasse a fonte de vida inesgotável.

a lâmina cortou uma linha horizontal abaixo do pomo de adão. ele caiu ao chão em um estampido surdo com os olhos castanhos arregalados perdendo lentamente o brilho eloquente que conferia a essência de um ser vivo. astutametente e como um animal ávido por alimento, ela abriu seu tronco a tempo de ver a última batida inerte que seu coração fora capaz de dar. com as mãos nuas, arrancou o órgão símbolo da vida e o encostou seu rosto, deslizando-o, tingindo-se da mais rubra das cores. tomou seu néctar saboroso com avidez gemendo de prazer. passou o órgão extirpado por seu corpo, sentindo necessidade de mais. pegou sua adaga e abriu um corte vertical do pescoço até o começo do abdome. fazendo força com os braços, separou as duas partes e mergulhou a cabeça na reentrância ficando completamente banhada pelo liquido vermelho. neste momento atingiu o êxtase, urrando com um prazer que só ela saberia sentir.

para ele foi tudo um flash, para ela a mais bela cena de um ballet russo em câmera lenta. assim que o ato foi consumado e o fim encontrado, a culpa arrebatadora a tirou de seu estado orgástico. olhou para sua camisa que há poucas horas fora branca, percebeu a poça vermelha que tomava conta do corredor e se desesperou. resolveu lidar com sua consciência naquele instante. no último rompante de prazer carnal que ela própria se proporcionava, ia pressionando a adaga contra seu próprio pescoço de acordo com a intensidade sentida no restante de seu corpo. no fim houve um grito seco, emitido pela traquéia preenchendo o ambiente com um som assombroso misto de prazer e sofrimento jamais alcançados por qualquer ser humano vivente em sua época.

5 comentários:

Anônimo disse...

TENSO!

Kitsune disse...

muito tenso!
adorei!

se eu fosse menos preguiçoso, eu iria criar um quadrinho com esse conto.

Sabrine disse...

CaraleoO!!!
foi mais q tenso meoO!
mtooo legal!!
^^

amo-te!!

pode deixar q eu aviso a Vans sim!! o Leandro disse que vai deixar uma breja gelando pro filhote da Vans!!! ^^

uhasuhauash

BeijosS!

p! disse...

depois eu leio

não, são as aminas...

a amina responsavel pelo cheiro de podre é a cadaverina!

e a porra tambem tem cadaverina... cadaverina, putrecina e espermina... [dica, nada que possua cadaverina e putrecina pode ser boa coisa]

e são as aminas as responsaveis pelo cheiro de geladeira que fica na... geladeira

Unknown disse...

Tenso! [n+1]

Doray. Jô, qnd vc vai escrever a porra do livro?



E tb queria horários alternativos para trabalhar, tipo, a noite, seria bom. Já que é o período do dia em que eu me sinto melhor (y)

Hoje começo o livro 4, uhul \o/


Lhi amo, nêga.