15.6.09

heterocídio ou o conto sobre o dia que não teve trânsito

pé, pé, pé, pé, pé, pé, pé... "maldito despertador". clic. abro os olhos, é manhã. um filete de luz do sol passa por entre a cortina. me sento na cama, me estico. "ahhh, isso é bom.". me arrasto até a cozinha, preparo meu café. bebo. café é tão bom. vou ao banheiro, tomo banho, fico com a aparência de uma secretária de alto escalão. pego meu carro e vou trabalhar.

logo ao sair pelo portão noto a ausência de pessoas passeando com os cachorros na rua. não é normal, todo mundo sempre sai com os cachorros na rua pela manhã. hoje não tem ninguém e nem está chovendo. "estranho". engato a primeira marcha e começo a fazer o caminho para ir ao trabalho.

sem trânsito.

fico feliz por ver que quase ninguém ainda saiu para trabalhar, só alguns poucos carros nas ruas. aposto que todos os outros estão felizes também, é praticamente um milagre não ter carros nas ruas desse jeito em plena segunda feira. "estranho", penso eu. passo a reparar que está tudo muito vazio. chego ao trabalho. o porteiro do prédio está ausente, a ascensorista também. chego no meu andar, só uma pessoa está presente. me aproximo dele e pergunto onde os outros estão. ele não sabe me responder. nem o chefe está presente. ligo o computador.

nenhum e-mail na caixa de entrada.

"estranho". ninguém avisou que iria faltar. penso que tudo está cada vez mais anormal, ruas vazias, lugares vazios. será que ets abduziram o mundo durante à noite? clic. ligo a tv. canal de receitas. clic. canal de notícias. adoro o fato de meu escritório ter uma tv presa à parede. a âncora fala qualquer coisa sobre a falta de pessoas no mundo. não me importo muito e vou pegar mais café. ouço a voz da mocinha assustada na tv falando que é um evento mundial, que muita gente simplesmente desapareceu.

meu colega de trabalho - gay - começa a se descabelar e tenta ligar para sua família. descobre que praticamente todos desapareceram. só sobrou aquela tia estranha que cria gatos. ele me pede para que eu ligue para meus conhecidos. não me dou ao trabalho, entrego meu celular para ele e digo para que se sinta em casa. umas sete ou oito pessoas que eu conheço se mantém vivas e/ou localizáveis. não me importo com a minha família, aquele bando de abutres. o café acabou, ofereço café para meu colega gay desesperado, ele prefere chá, pego para ele. gays sempre preferem chá. não sei o motivo.

ele está tão nervoso e treme tanto que derruba metade do chá na gravata ao tentar tomá-lo. ele começa a criar teorias cretinas sobre o sumiço das pessoas - a âncora do jornal também. não tenho paciência para teorias cretinas. começo a navegar na internet. sem pessoas fica tudo mais rápido. acho que estou começando a gostar desse sumiço de parte do mundo. site de notícias, especulações pelo sumiço do mundo. site de relacionamentos, pessoas surtando porque a mãe sumiu e não tem ninguém para alimentar o cachorro. merda. o servidor acabou de cair. acho que deve ser por falta de pessoal na empresa.

levanto. vou até a janela. está tudo calmo e feliz. "estranho". olho para o céu à procura de qualquer indício extra-terréstrico. não encontro nenhum. apóio minhas costas contra a janela. o colega gay ainda está desesperado querendo saber quem mais ele conhece está localizável. olho para o desespero dele. sinto pena. pego minha bolsa, o maço de cigarros, cadê? abro, pego um cigarro. pego o isqueiro e acendo. fumaça. "gostoso". solto a fumaça. café. "mais gostoso ainda". o gay olha para mim com cara de espanto. gays não infringem regras no trabalho. olho para o gay com cara de não-tem-ninguém-vendo-que-eu-estou-fumando-no-escritório-não-enche. ele entende minha feição e acende um cigarro pra ele. gays só fumam cigarro light. será que eles acham que não vão engordar?

a moça do noticiário diz para todos ficarem em lugares seguros, para não saírem para rua e toda aquela palhaçada que dizem nas situações de calamidade. besteira. se eu ficar mais quinze minutos aqui com o gay surtado serei obrigada a jogar o pobre rapazote pela janela. tenho que dar um jeito de distraí-lo antes que ele me faça matá-lo. olho ao meu redor. nada do que tem aqui pode fazer com que ele se acalme. merda. vou ter que sair no meio do expediente. apago o cigarro na mesa do gerente. pego o gay, digo para ele que não adianta tentar falar com as pessoas. digo também que está muito chato no escritório, que vou achar algo para fazer. ele me olha com um que de medo e confusão. o pego pelo braço e o arrasto para fora do escritório. e digo para não bater o ponto, não tem ninguém para notar que nós saímos.

chego na rua. o gay parece estar aterrorizado. digo para ele que relaxe. peço para que ele me fale onde sua tia estranha que cria gatos mora. ele me diz um endereço perto de minha casa. "estranho". levo o gay até lá.

sem trânsito.

estaciono. saio do carro. vou até a casa da tia estranha. tropeço em uns três gatos no caminho até a porta. mexo nela. destrancada. abro. vejo muitos gatos. muitos gatos mesmo. nota mental: jamais pensar em ter um gato, não quero acabar como essa senhora. entro na sala. me deparo com a velha assistindo tv. olho para ela por alguns segundos. imagino o tipo de vida que ela levou que a fez ter esse fim. algo se mexe perto da janela. fico parada. pode ser um gato. que gato estranho! tudo bem, não é um gato. é uma forma estranha de pessoa. tem cores estranhas, um branco meio esverdeado. como cocô de pombo. é, é uma forma humanóide com cor de cocô de pombo. "estranho". esse ser se aproxima da velha. ela está paralisada. eu assisto toda a cena. o negócio envolve a mulher. nenhum grito, nem tentativa de reação. ela está totalmente cor de cocô de pombo. que nojento. ela passou a pertencer à forma humanóide e não está mais no sofá. "estranho". o troço olha para mim, eu olho pro troço - jamais olharei para cocô de pombo da mesma forma. o troço some por trás da cortina. eu saio da casa, fecho a porta. vou até o gay e digo que a tia não está mais disponível para atender às ligações dele. ele surta novamente e sai correndo para casa dela. eu me apóio no capô do carro. acendo um cigarro. "gostoso". me ponho a esperar pacientemente.

que coisa estranha. o troço cor de cocô de pombo fagocitou a velha e deixou os gatos. deve ser esse o motivo de todos sumirem. por que o troço não resolveu me fagocitar também? "estranho". talvez eu não seja o tipo de comida favorita dele. o gay voltou desesperado. eu conto a ele o que se passou com a tia dele. ele surta novamente. paf. bato na cara dele para ele deixar de surtar por uma tia criadora de gatos que acabou de ser fagocitada por um troço humanóide cor de cocô de pombo. só por ter cor de cocô de pombo já não merece um surto. dou um cigarro para ele. ele acende. ele me diz para procurarmos pelas pessoas comunicáveis que eu conheço. tenho preguiça. ele insiste. acabo indo. maldita hora que eu decidi trazer o gay comigo. ligo o carro. engato a primeira e saio.

sem trânsito.

ele me pergunta incessantemente o que aconteceu com a tia dele. conto exatamente o que eu vi, com riqueza de detalhes, todas as vezes que ele me pergunta. acho chato. nota mental: trazer um gravador comigo em tempo integral - sempre. comento com ele o quanto é bom dirigir sem trânsito. ele me dá um olhar que eu suponho que queria dizer que eu não tenho coração. chegamos no apartamento da minha amiga. estaciono. saio do carro, o gay também.

interfono. a porta abre. subimos as escadas. mexo na maçaneta, está aberta. abro a porta, sento no sofá. o gay também. acendo um cigarro para esperar minha amiga. o gay fica parado. ela chega, fumando também. me dá um beijo na boca. o gay olha espantado. ela o cumprimenta e se senta do meu lado. eu a digo o que vem acontecendo durante o dia inteiro. ela traga o cigarro. e começa a bolar uma teoria cretina. tudo bem, a teoria dela não é tão cretina assim. sou obrigada a concordar que a teoria dela faz sentido. o gay continua com cara de espantado. minha amiga pergunta para ele se ele nunca viu lésbicas antes. ele fica constrangido. acho engraçado. levanto. peço para o gay nos levar até a casa dele. saímos. entro no carro. o gay e minha amiga também. dou partida. engato a primeira e saio.

sem trânsito.

minha amiga comenta o quanto é bom não ter trânsito. concordo com ela. o gay faz cara de espanto. a cidade fica tão mais bonita vazia. paro o carro em uma cafeteria. preciso de café. desço do carro. entro na loja. a atendente pergunta o que eu quero. digo que quero café, muito café. a atendente me dá todo o café que está disponível. abro a carteira. ela diz que não é nada. me lança uma piscadinha clichet. "sapatão". lésbicas sempre têm que dar em cima de todas. "estranho". volto para o carro. distribuo o café. ligo o carro. engato a primeira. vamos para a casa do gay.

chego na casa do gay. casas de gays sempre são bem cuidadas por fora. estaciono. ele sai do carro. eu saio do carro. minha amiga fica. ele abre a porta e entra. eu entro. vejo um aquário. gays sempre tem bichos de estimação sem graça. ele me mostra sua coleção de cds e começa a pegar britney spears e madonna. digo a ele que prince seria muito mais efetivo. ele concorda comigo. pegamos os cds. ele alimenta os peixes. eu me dirijo ao carro. ele vem logo atrás. pego café. bebo. café é tão bom. acendo um cigarro. “gostoso”. cigarro e café são tão bons juntos. entro no carro. minha amiga me pede um cigarro. dou um para ela. o gay entra no carro. dou partida, engato a primeira. saio.

trânsito?! o quê?! como assim?!

as pessoas idiotas estão fugindo. devem estar indo para as montanhas. bando de fracotes. resolvo ligar música. odeio trânsito. o dia estava indo tão bem sem ele. nos dirigimos à casa da tia estranha criadora de gatos. o troço cor de cocô de pombo deve estar lá ainda. maldito trânsito. demoro meia hora a mais para chegar na casa da velha. crentinos medrosos. estaciono. saio do carro. minha amiga também. o gay fica. medroso.

tropeço em alguns gatos até chegar na porta. abro a porta. tudo está como antes. "estranho". fechamos as janelas e as portas. o troço cor de cocô de pombo ainda está lá. ligamos o som com prince, no volume máximo. o ser humanóide se move para cima do tapete que fica entre a televisão e o sofá. começa a soltar um chiado que parece com o barulho de uma chaleira misturado com uma moto-serra. e ele estoura. gosma branco-esverdeada voa por toda a sala. que nojo. eu definitivamente tenho muito nojo de cocô de pombo. prince se prova eficaz contra o monstro estanho. “interessante“. olho para mim. merda. preciso tomar banho. minha amiga também. o corpo da velha e mais três outros aparecem na sala. nenhum está vivo. “estranho“. todos envoltos na gosma cor de cocô de pombo. tomamos banho juntas no banheiro da velha criadora de gatos. estou limpa. minha amiga também. banheiro. mulher pelada. chuveiro. hummmm. sexo. “gostoso”. sexo é bom. é quase tão bom quanto café. me seco. merda. não tem roupa limpa. pego uma roupa floral da velha. minha amiga também. saímos da casa. o gay olha para nós e começa a rir histericamente. eu falo que a tia criadora de gatos dele está morta no tapete da sala só para ser sacana e acendo um cigarro. ele fica histérico de novo. ligo o carro. engato a primeira e arranco.

sem trânsito.

ah, como é bom quando não tem trânsito. vou para casa. o gay continua surtando. minha amiga tem a mesma cara de indiferença que a minha. estaciono. abro a porta. vou para o meu quarto. tiro a roupa floral. coloco uma roupa decente. ah, agora sim. chamo minha amiga, falo que se troque. ela se troca. saímos de casa. entramos no carro. o gay chora copiosamente. dou a partida. arranco com o carro. vamos à delegacia.

trânsito. ligo música alta. começo a bater cabeça no carro.

meia hora para chegar no posto policial. o gay está surtando menos. contamos a eles tudo que aconteceu no dia. entregamos os cds do prince para ajudá-los a explodir os seres humanóides cor cocô de pombo. eles nos agradecem muito. saímos de lá. deixo minha amiga na casa dela. volto com o gay para o escritório. começo a trabalhar. o gay olha para mim com cara de assustado. ele liga a tv. a moça do noticiário diz que foi descoberto que os monstros cor de cocô de pombo são homofóbicos, e faz um adendo dizendo que a maior parte das pessoas vivas nesse momento são gays. olho para o gay com cara de desdém. a moça diz também que as autoridades já acharam um jeito de exterminar os monstros. termino meu trabalho. bato meu ponto. vou para o estacionamento. pego o carro.

sem trânsito.

chego em casa. deixo as chaves do carro em cima do sofá. sento, olho em volta e penso: dia interessante, quase não teve trânsito.

7 comentários:

Unknown disse...

hahahahha... mto bom. Começa meio Stephen King, meio filme 'extermínio' e termina JOANA! Doray. Jo, se vc escrever um livro de contos, eu compro.


Lhi amo.

The Sole Survivor disse...

gays sempre preferem chá. - Pensei na minha infância. Sempre preferí chá.
gays não infringem regras no trabalho. - Pensei em quando eu trabalhava. Sua teoria está errada porque ATÉ DORMIR eu dormia.
gays só fumam cigarro light. - Ou de menta.

o troço cor de cocô de pombo fagocitou a velha e deixou os gatos - Eu rí da fagocitada.
ele surta novamente. paf. bato na cara dele para ele deixar de surtar - imaginei você dando um tapa de mão mole no Vinícius, nem sei pq.

Obs.: Tenta fazer sentenças maiores, Flor. Texto com muitos pontos finais e frases curtas ficam muito primários.
E mais, pra que foram pra casa do gay? Só pra alimentar os peixes e pegar CDs? Por quê? Fica no ar no meio da leitura.

Reafirmo que frases curtas irritam.

foi descoberto que os monstros cor de cocô de pombo são homofóbicos - mas eles deixavam os gays vivos, comofas/
Só se eles tivessem medo dos gays, mas acho que nem foi isso que vc quis dizer, ou foi?

Denis Cristian disse...

banheiro. mulher pelada. chuveiro. hummmm. sexo. “gostoso”. sexo é bom. é quase tão bom quanto café.

Ri alto com isso ! e com várias outras partes.

Levando em conta que pareceu mesmo Stephen King em várias partes...
Acho q não ter sentido em algumas partes da um certo... charme.

=***

Déa disse...

oi amiga da Ju que dá aula de inglês.... favoritei seu blog e ri d+ do seu conto.... kkkkkkkkkk...

Se fosse real eu não morreria e algumas pessoas achariam isso estranho.... hhahahh.... a Ju tbem não morreria.... certeza... kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk....

Anônimo disse...

"a atendente pergunta o que eu quero. digo que quero café, muito café. a atendente me dá todo o café que está disponível. abro a carteira. ela diz que não é nada. me lança uma piscadinha clichet. "sapatão". lésbicas sempre têm que dar em cima de todas."

isso me lembrou da mulher do frango assado. ela SEMPRE dá em cima de mim...

velho, enquanto eu lia eu imaginava um hq se formando com essa história. muito boa! beijos, joana

Sabrine disse...

'gays sempre preferem chá. não sei o motivo.'

Somos duas amore!!!

porra, esse conto foi bom...
uauhuhuh!!

tou sem pc em casa ainda amore!... tou meio incomunicavel...

puta merda, onde eu tou tah com cheiro de café! uashuahussua!

te amo!

BeijonesS!

Nota:manda seus tels... meu cel ficou louco e apagou td...
manda aê!

Amo te

Kitsune disse...

Eu gosto mais de café do que de chá.