7.12.09

nós te amaremos do jeito que fores, desde que sejas perfeita

estava sentada no canto de um quarto, numa cadeira dura. ela, ao olhar as paredes, se lembrava de como as coisas costumavam ser, perguntava-se como poderiam ter sido, uma mistura de saudosismo e masoquismo. ela sempre fora uma mulher decidida, sem questionamentos, sem distrações, sempre centrada na maior coisa possível, o grande objetivo. na verdade, fora ensinada a ser assim, quando menina era uma criança sonhadora e ingênua como todas deveriam ser, pintando, sonhando, sorrindo. ao crescer fora ensinada diversas coisas; "nunca perca o foco!", "não se abata com as pequenas derrotas!", "se alguém não gostar de você, dê as costas e mostre o quanto você é especial e inteligente!", "esteja sempre no seu melhor!", "nunca, jamais perca o foco!" as vozes diziam. as vozes eram como inquisidores apontando todos os erros, destacando falha por falha, repudiando qualquer derrota. "a você não é permitido perder, menina", "você foi criada para ser a maior, a melhor, a perfeição em forma de mulher."

ela começou a perder sua ingenuidade quando tinha por volta dos sete anos. ensinaram-na como se portar em lugares finos, cobravam-na esse comportamento todas as horas, em todos os lugares. teve educação digna de todas as princesas do mundo, fora ensinada das mais finas artes, das correntes filosóficas, da mais pura música. foram descobertos seus talentos natos, fora forçada a desenvolver os inatos energicamente. ela fora moldada para ser a mais inteligente, a mais focada, a mais pensante, a mais habilidosa. ganhou medalhas de honra nas escolas que estudou, graduou-se com honras nas universidades que cursou. fora sempre a mais bonita, a mais invejada, a mais cobiçada, a mais notada, a mais notável.

a coisa que ninguém parecia se importar era como ela se sentia. ninguém nunca a perguntou como ela estava, o que ela pensava, o que ela queria. pessoa alguma entendia o descaso que ela tratava dos troféus levados para casa, ficavam lá, dentro da estante com portas de vidro e ela nunca os olhava. "esses troféus não valem nada!", "você poderia ter se saído melhor!", "não acredito que só conseguiu isso!".

há de se notar que ela foi a melhor do ramo que fora escolhido para que trabalhasse, há de se notar, também, que ela teria sido a melhor em qualquer ramo que pudesse ser escolhido. mas era forçada a ser sempre melhor e melhor e melhor, não importando a situação, não importando se estava doente, não importando o quão imaginável o objetivo era.

"você tem que formar uma família!", "conseguir um bom marido!", "ter um casal de rebentos!" fora dito. não era dado conta, entretanto, que ela realmente não gostaria de ter filhos, nem de achar um bom marido, nem de formar uma família ou qualquer coisa que lhe era dita. mas ela sabia que não poderia ir contra às regras, sabia que haveria graves consequências, "é tudo para seu próprio bem, querida.". formou uma família, achou um bom marido e teve um casal de rebentos. fora muito bem sucedida na vida que levava.

até que um dia as vozes cessaram abruptamente. viu-se desamparada, sem ninguém para lhe guiar e dizer o que deveria ser feito. teve liberdade pela primeira vez desde que tudo começara tantos anos atrás. logicamente ela poderia ter dado conta de tudo com tudo que lhe fora ensinado, logicamente ela ficaria tentada a experienciar o significado real de liberdade e ela logicamente decidiu experimentar o inexperimentável.

algum tempo depois do silêncio imposto, alugou um quarto simples, com papel de parede azul claro, desbotado e amarelado que estava descolado em alguns lugares. havia um espelho com marcas do tempo sobre uma penteadeira parcialmente denegrida pela ação de cupins, uma cama com lençóis amarelados e havia um evidente cheiro de mofo preenchendo todo quarto. sentou-se à penteadeira, tirou um copo da bolsa e o postou suavemente sobre ela, tirou algumas pílulas e as colocou ao lado do copo, tirou de sua bolsa uma garrafa com um líquido colorido de gosto forte e encheu três quartos do copo. como em um ritual, ela pegava a pílula, a colocava em sua boca e a engolia olhando-se ao espelho, assim o fez com cada exemplar que havia sobre o móvel.

ao terminar, deu a volta na cama e sentou-se sobre a cadeira que havia ao canto do quarto, dando a visão angular de todo ele, ela era dura e desconfortável. e foi ali, naquele quarto que despertaria repulsa em qualquer pessoa normal, naquela cadeira desconfortável que ela teve seus últimos minutos de vida. não havia esquecido, porém, das lições ensinadas de sempre estar em sua melhor forma. depois de relembrar sua vida, logo antes de dar seu último suspiro, a única coisa que conseguia pensar era: "agora eu tenho liberdade para fazer o que eu quiser.".

3 comentários:

Denis Cristian disse...

Liberdade não é algo que se alcança vivo.
sem querer ser clichê, mas liberdade é só mais uma forma de ficar preso nas próprias vontades.

Sabrine disse...

uia!!!

éééééé.... a vida é assim!!!
^^

bjs!

Nota:Sim, realmente depiladoras vão para o céu Jô!!

Kitsune disse...

Esse conto ficou muito foda! Achei ele triste e bem sensível. Gostei disso.

Me lembrou a letra da musica "Perfect" da Alanis.