sozinho, o resto do mundo está celebrando algo que não faz sentido algum. você consegue ouvir os fogos de artifício? e som do vômito alcançando a água que jazia parada no fundo da privada? ninguém por perto, nenhuma viv'alma para perguntar se está tudo bem. o telefone não toca, nenhuma declaração de feliz ano novo. totalmente, completamente, absolutamente abandonado. ele comemora sozinho com seu vômito e a privada ao som dos fogos de artifício ao fundo.
só mais um pouco. só mais um teco, um tiro, um pico. quero ficar louca, esquecer dessa merda toda. "e o seu filho?" raios que partam o moleque, não ligo mais para ele. não ligo mais pra nada, me deixe ficar sozinha. foda-se o menino, minha mãe cuidará dele, eu já sou uma mãe de merda mesmo, nem dá mais para me redimir. vai me passa logo o mesclado e a pedra. ele já me odeia, não tem nada que eu possa fazer. foda-se tudo, que tudo se exploda, eu não quero mais nada dessa vida. ele me odeia, entende? me odeia demais, não tem mais nada que eu possa fazer, me passa essa merda dessa droga que eu estou fazendo as carreiras.
ela nunca entendeu. quantas vezes pediu desculpas e disse estar arrependido! nunca, nunca, nunca. sabe que ele acabou com tudo, mas ele pediu clemência, pediu perdão! ela nunca o perdoou nem o perdoará. ele jazia moribundo, meio vivo, meio morto. nem ele sabia mais se estava vivo ou morto naquela hora. na hora que ela adentrou o quarto ele sentiu uma ponta de vida lutando em seu íntimo, lutando para se assentar e contagiar o resto, lutando para que aquela última centelha de vida fosse o que o resgataria da trilha sem volta. as últimas palavras que ouviu foram: "isso é menos do que você merece, seu filho da puta!". ao terminar de ouvir a frase ele fechou os olhos, uma lágrima rolou por seu rosto de sofrimento e a fagulha se apagou.
ela sempre amava seus casos esporádicos diários como se eles fossem sua alma gêmea. todos, um por um, ela amou, idolatrou e sofreu, sofreu eternamente com cada um deles. todos a rejeitaram, exatamente como todo o resto do mundo. ninguém a queria por perto, todos mantinham uma distância segura da leprosidade que ela carregava que ela não sabia da existência. ninguém queria ficar perto dela, nem ela mesma.
seus pais sempre o ignoraram. seu irmão mais velho era muito melhor que ele. era mais alto, mais bonito, mais inteligente, mais loiro, mais branco, tinha os olhos mais azuis, era mais carinhoso. ele era um zero à esquerda, um estorvo que ocupa espaço e gasta dinheiro. só isso ele era. ficava pelos cantos tentando não ser notado, tentando não chamar atenção, tentando não existir para que todos pudessem ser mais felizes sem terem que olhar para o aborto natural que julgava ser. ele nunca conseguiu deixar de ser notado como estorvo da família.
eu estava sozinho limpando a colhedeira ligada, eu tinha só dezesseis anos e muitos sonhos - eu tocava piano e era bom -, quando a manga da minha camisa se prendeu no mecanismo, eu tentei tirar, não saia, tentei tirar a blusa, mas não dava mais tempo, minha mão direita já tinha sido dilacerada pela máquina e não tinha soltado do meu antebraço eu tentei puxar, não saia. tentei gritar, ninguém me ouvia. estava sozinho, no meio da plantação recém colhida e cheia de palhas secas espalhadas por toda área. então ouvi um estouro e o chão tremeu poderosamente. depois de uns dias eu descobri que foi um raio que originou a primeira fagulha, mesmo que não interessasse mais. só sei que enquanto eu tentava me libertar das entranhas da máquina o fogo se alastrou e estava vindo à minha direção. então me deparei entre escolher morrer queimado ou tentar cortar meu braço e sair vivo. peguei meu canivete e comecei a cortar, o sangue começou a jorrar e eu ouvia nitidamente o som dos meus tecidos sendo dilacerados contrastando com o crepitar das fagulhas que se aproximavam. urrava de dor, ninguém me ouvia. só sei que me lembro até hoje do som dos músculos e ligamentos sendo rompidos radialmente até chegar ao osso. quando cheguei ao osso comecei a bater com muita força para conseguir quebrá-lo. foi a pior dor que senti em minha vida toda. o som do osso se quebrando, finalmente, foi aliviante e traumatizante. estava zonzo, minha pressão tinha caído por causa do tanto de sangue perdido. não sei como consegui me arrastar para fora da plantação, mas estou vivo. tenho uma vida horrível, sou incompleto e todos olham para mim com dó ou repulsa. se eu soubesse que seria assim teria feito a outra escolha.
6.10.09
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6 comentários:
Esperei ansiosamente essa série de contos.
Adorei, conseguiu passar perfeitamente o conceito de sofrimento.
Achei bem digno!
lerei direito amanhã, prometo.
mas o pouco que ví, estou gostando.
se vc quer escrever sobre sofrimento, recomendo antes que leia o conto ANGÚSTIA, do Tchekhóv.
Tá ficando meio Chuck Palahniuk.
não é filho não!
é estress...
amo vc!!
beijosS!
o.o
ainda te amo
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